A revolução

Máquina do medo

JOHANNA NUBLAT

Há 40 anos morria o líder comunista Mao Tse-tung, o que pôs fim a uma década de caos social, violência e expurgos políticos na China —a chamada Revolução Cultural.

No período, o país testemunhou uma sangrenta mobilização social, instigada por Mao, em que alunos espancaram professores, pessoas foram torturadas e assassinadas por vizinhos e colegas.

O terror prevalecia. Ninguém estava a salvo de ser denunciado e cair em desgraça.

"Vi a Revolução Cultural fazer aflorar os extremos da natureza humana, o melhor e o pior", diz à Folha Jung Chang, autora de diversos livros sobre a China, entre eles "Cisnes Selvagens" (Companhia de Bolso), que narra a trajetória de sua família pela história moderna do país.

O período teve início em meados de 1966, alguns anos após uma onda de fome assolar a China, seguindo-se ao fracasso de planos econômicos lançados por Mao, que governava o país desde 1949.

Algumas cifras apontam 40 milhões de mortos pela fome, mas não há um número oficial.

Jean Vicent/AFP
(FILES) This file photo taken in June 1966 shows Red Guards, high school and university students, waving copies of Chairman Mao Zedong's
Estudantes membros da Guarda Vermelha caminham com o "Livro Vermelho" nas mãos, em 1966

Chang avalia que o ditador perdeu poder político após a fome e usou a Revolução Cultural como forma de se vingar e tirar de cena quem ele via como dissidentes.

Em maio de 1966, estudantes começaram a ser estimulados pelo grupo de Mao a se rebelar contra professores que ensinavam a eles princípios considerados burgueses —os temidos grupos dos "guardas vermelhos", formados por jovens que pretendiam defender o líder, ganharam autoridade impensável.

Aulas foram suspensas, e episódios públicos de violência começaram a espocar.

"Mao não tinha nada contra os professores —ele também tinha sido professor. Só queria criar terror e, para isso, precisava de vítimas. A Revolução Cultural poderia se chamar 'o grande expurgo' ou 'o grande terror'", afirma Chang, que tinha 14 anos quando tudo começou.

No livro "Em busca da China moderna", Jonathan D. Spence diz que o movimento desafia uma classificação simples, considerando a variedade de impulsos ali reunidos.

Entre as motivações presentes, explica, havia a avaliação, por Mao, de que a revolução comunista perdia ímpeto pelo conservadorismo e pela letargia do partido. Também existiam o receio do líder de perder espaço na cúpula e uma variedade de disputas internas no partido. E, alimentando todas essas ramificações, ampliava-se o descontentamento na sociedade.

Dos professores, o alvo passou a abranger políticos, funcionários do partido, artistas e intelectuais. Artes tradicionais e tudo visto mais como burguês (cabelos longos, saltos altos, roupas femininas) passaram a ser rejeitados, num frenesi que se espalhou, enquanto a imagem do líder era cultivada.

"O terror foi o principal produto da Revolução Cultural. O terror, a destruição da cultura e a brutalização de toda a população", diz Chang.

Em uma segunda etapa, por volta de 1969, os milhares de jovens fora das escolas e das universidades foram enviados ao campo para se "reformarem pelo trabalho" ao lado dos camponeses.

DRAMA PARTICULAR

Adolescente, a escritora viu o pai —que se juntou aos comunistas na juventude— cair em desgraça e ser preso. "Ele ficou totalmente desiludido durante a Revolução Cultural, foi um dos poucos que falaram contra o período. Como resultado, foi preso, torturado e enlouqueceu."

Questionada sobre a lembrança mais marcante na década, Chang cita a época em que cuidou do pai, doente, e de ver a mãe sofrendo maus tratos públicos —como ajoelhar em cacos de vidro ou ser apedrejada.

"Eu tinha entre 14 e 16 anos, ia com minha mãe a sessões de denúncia. Sentava na plateia onde ela pudesse me ver, para que ela soubesse que, em meio à multidão histérica, alguém a amava. E, depois, ajudava minha mãe a voltar para casa." Essa é uma parte do "melhor" que Chang viu na época. "A Revolução Cultural separou milhões de famílias, mas a minha se aproximou."

Associeted Press/AP
FILE - In this August 1966, file photo, Chinese leader Chairman Mao Zedong, center, waves as he meets with teachers and students from Beijing and other parts of China, in Beijing. A time of massive upheaval, violence and chaos, China's 1966-1976 Cultural Revolution, was launched 50 years ago by Communist Party leader Mao, who began it by purging officials considered insufficiently loyal. Over its course longstanding party officials, intellectuals and teachers came under violent attack, while traditional Chinese thought and culture were condemned along with foreign influences. (Photo via AP, File) ORG XMIT: XHG601
O líder da Revolução Cultural, Mao Tse-tung, se reúne com professores e alunos no início do movimento