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Ontem e hoje

Aos 92 anos, Nelson Sargento continua a exibir vitalidade

Nelson Sargento em seu apartamento, no Rio de Janeiro Raquel Cunha/Folhapress
Nelson Sargento em seu apartamento, no Rio de Janeiro


LUIZ FERNANDO VIANNA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A Estação Primeira de Mangueira escolheu numa madrugada de outubro seu samba-enredo de 2017. Já era de manhã quando Nelson Sargento, presidente de honra da escola, chegou em casa.

O fato seria trivial se Nelson não estivesse com 92 anos e não fosse, em vez de espectador, um dos participantes da disputa. Seu samba com Arlindo Cruz e outros quatro parceiros foi derrotado pelo de Lequinho, Junior Fionda e mais três assinaturas.

Ele já havia perdido a batalha interna para o Carnaval de 2016 -que a verde-e-rosa conquistou com o enredo sobre Maria Bethânia. Mas não desistiu, o que espelha a vitalidade que exibe.

Nelson nasceu pouco depois do samba, cujo centenário vem sendo comemorado.

"Ainda não estou dando comida para bicicleta", brinca, para assegurar que a cabeça está boa.

A perna direita, nem tanto. Tem feito hidroginástica e usado uma bengala de quatro pontas. Se o trajeto é longo, aceita cadeira de rodas. Mas, nos shows, prefere cantar de pé.

"Vão ficar falando: 'Ih, olha o Nelson cantando sentado!'", diz, assumindo a vaidade que demonstra nas roupas e nas poses para fotos.

Ele está lançando "Nelson Sargento -91 Anos de Samba". O CD foi pensado para os 90 anos, gravado aos 91 e sai aos 92, graças a uma campanha de financiamento coletivo que só atingiu a meta no último dia.

O disco conta com sambas marcantes de seu repertório, como "Falso Moralista", "Berço de Bamba", "Falso Amor Sincero" e "Agoniza Mas Não Morre" -este em versão instrumental com o Galo Preto, sexteto que concebeu o disco.

Nelson ainda lança o DVD coletivo (e dois CDs) "Quintal do Pagodinho 3", em que interpreta, no sítio de Zeca Pagodinho, sua composição "Encanto da Paisagem", que não está em "91 Anos de Samba".

"Até gostaria que ele parasse, mas ele não para com nada. Não para de viajar, de escrever, de pintar", orgulha-se, fingindo queixar-se, Evonete Belizário, companheira há 30 anos.

No apartamento deles, em Copacabana, uma lousa indica que Nelson tem compromissos em São Paulo e Curitiba até o fim do ano.

A composição mais conhecida de Nelson Sargento também é a que tem mais detratores. "Agoniza Mas Não Morre" (1978), que trata da suposta agonia do samba em versos como "Mudaram toda a sua estrutura/ Te impuseram outra cultura", desagrada artistas que veem heterodoxias e fusões como algo saudável.

"Movimentos são momentos. O samba fica, é uma instituição. Agoniza mas não morre mesmo", afirma o autor.

Pedro Miranda, 40, é um cantor mais jovem que admira Nelson. Em "91 Anos de Samba", ele interpreta dez faixas, sendo duas ao lado do homenageado -que fica com outras quatro.

O CD é resultado de um show realizado em 2014 e 2015, no qual seria cansativo Nelson cantar todas as músicas. Assim, a formação se repetiu no estúdio.

Em relação à célebre letra em que defende o samba ("Negro forte, destemido/ Foi duramente perseguido"), é preciso levar em conta que Nelson Mattos -o apelido Sargento vem dos quatro anos no Exército- nasceu num tempo em que sambistas ainda eram presos pela lei de vadiagem.

Filho de um cozinheiro (com quem pouco conviveu) e de uma cozinheira-lavadeira-doméstica, ele se mudou aos 12 anos para uma parte alta e bastante pobre do morro de Mangueira, o Chalé.

Ainda adolescente, começou a pintar paredes. Viver de samba foi, por muito tempo, algo impensável.

Entrou para a história do gênero no ano de 1955, quando a Mangueira desfilou com um belíssimo samba-enredo composto por ele e seu padrasto ("Não gosto dessa palavra, prefiro pai adotivo") Alfredo Português: "Cântico à Natureza".

Dez anos depois, Elton Medeiros usou esse cartão de visitas para sugerir a entrada do amigo no conjunto Rosa de Ouro, que Hermínio Bello de Carvalho formava para o espetáculo homônimo.

"Já tínhamos o violão do Paulinho da Viola, mas sentíamos falta de outro. Eu e Elton deixamos um bilhete na casa dele pedindo que aparecesse no Teatro Jovem. Ele foi achando que era para pintar o teatro", recorda Hermínio.

De lá para cá, viveu de música e de pintura artística -uma de suas telas está na capa do CD. Fez quatro temporadas no Japão e cantou nos países escandinavos. Publicou três livros, foi tema de outros e atuou em filmes, incluindo um sobre sua própria vida. Ainda encontrou tempo para ter sete filhos e criar mais quatro.

Divide um programa de rádio com Agenor de Oliveira, com quem tem parcerias inéditas. E sonha participar de um disco com orquestra.

"O brasileiro é camarada. Aceita voz e violão com muita tranquilidade", ironiza.


NELSON SARGENTO
91 ANOS DE SAMBA
GRAVADORA Independente
QUANTO R$ 30

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