SUPERNOTIFICAÇÃO

Notificações de casos de microcefalia são muito maiores que os casos reais

Jemima da Silva carrega Luana no colo Avener Prado/Folhapress
Jemima da Silva carrega Luana no colo; mãe recebeu por WhatsApp a notícia sobre a microcefalia da filha

PATRÍCIA CAMPOS MELLO
ENVIADA ESPECIAL AO RECIFE

Há muitas dúvidas sobre zika e microcefalia. Mas uma coisa é certa: os números não são confiáveis. No Brasil, foram notificados 4.783 casos de microcefalia, e, até agora, só 404 foram confirmados. Para especialistas, menos de um quarto dos casos notificados são de microcefalia ligada ao vírus da zika.

É obrigatória a comunicação do nascimento de todas as crianças com perímetro cefálico abaixo de 32 cm. Mas muitas delas não têm nenhum problema, são apenas prematuras. Entre as que têm, muitas desenvolveram microcefalia porque a mãe teve toxoplasmose ou citomegalovírus na gravidez.

"É melhor ter falsos positivos do que falsos negativos", diz Celina Martelli, pesquisadora de microcefalia na Fiocruz de Pernambuco. Segundo ela, foi importante definir uma boa margem para que bebês com outros danos cerebrais não ficassem de fora.

Comprovar que a zika causou a má-formação também é difícil. O exame PCR só identifica o vírus de cinco a sete dias após o início dos sintomas. A sorologia, que detecta anticorpos, só funciona até seis dias depois da infecção.

Na quarta (3), a Secretaria de Saúde de Pernambuco anunciou diagnóstico de microcefalia ligada à zika por exame alternativo de sorologia que detecta um anticorpo específico na medula do bebê.

O registro de casos de zika é outra confusão. "No começo do ano passado, os casos da doença nem sequer eram registrados", diz Aron Araújo, secretário-executivo de Saúde em Serra Talhada (PE).

Até outubro de 2015 foram notificados 110 mil casos de dengue em Pernambuco, mas só 39 mil foram positivos. Para epidemiologistas, muitos eram chikungunya ou zika.

Faltam médicos. Único neurologista infantil da região de Garanhuns, Antônio Milton Garcia tem 100 pacientes suspeitos de microcefalia.

Quando existem, os médicos às vezes estão mal preparados. A obstetra de Jemima da Silva, 37, mandou um WhatsApp para ela: "Você vai levar um susto quando sua filha nascer". Jemima só chorava. Depois, achou uma médica que explicou com mais sensibilidade. Luana Vitória nasceu com 27 cm de perímetro cefálico e artrogripose, deformidade em pés e mãos. Mas acompanha atenta a mãe com o olhar e ouve bem.