DILEMAS DA GESTAÇÃO

Surto faz quatro países da América Latina recomendarem evitar gravidez

Daniele Santos, 29, mãe de Juan Pedro, 2 meses, em atendimento na fundação Alvares Penteado, no Recife Avener Prado/Folhapress

CLÁUDIA COLLUCCI
DE SÃO PAULO

Com o aumento de casos de microcefalia em recém-nascidos no Brasil, governos de quatro países da América Latina e do Caribe (Colômbia, El Salvador, Equador e Jamaica), onde o vírus da zika já circula, passaram a recomendar que se evite engravidar.

O Brasil, no entanto, não adota a mesma orientação. Em novembro, Cláudio Maierovitch, diretor do departamento de vigilância de doenças transmissíveis do Ministério da Saúde, chegou a aconselhar as mulheres a não engravidar, mas o ministério divulgou nota logo depois negando a recomendação.

A pasta diz que "a gravidez é uma decisão pessoal" e que não adotará nenhuma medida de controle de natalidade.

Engravidar ou não é só uma das questões que enfrentam mulheres atualmente diante do avanço do vírus da zika (veja quadro com perguntas e respostas abaixo). A posição do governo divide especialistas.

"É um absurdo. Já passou da hora de o ministério fazer essa recomendação [não engravidar]. As mulheres que estão engravidando neste momento estão desesperadas", diz o médico Artur Timerman.

Infectologista, ele conta que, em uma semana, atendeu no consultório 14 gestantes preocupadas com a zika. "Vão ficar com esse fantasma rondando até o sexto mês de gravidez [quando a microcefalia aparece no ultrassom]."

Já o também infectologista Esper Kallas, professor da USP, afirma que não cabe ao governo decidir se a mulher deve ou não engravidar. "É preciso fornecer informações para que ela tome a decisão."

Ele pondera, por exemplo, que não adianta recomendar ou não a gravidez com base nos casos atuais de microcefalia, já que, quando aparecem, eles são uma fotografia do que ocorreu meses antes.

"É mais útil mapear a circulação do vírus em tempo real e alertar a população para os cuidados", diz ele.

A tendência entre os especialistas, porém, é orientar mulheres jovens a adiar a gravidez. "Para quem tem até 30 anos, não vai mudar esperar dois ou três meses até sabermos como vão evoluir esses casos de microcefalia", diz o obstetra Renato Kalil, do Hospital Albert Einstein.

"Se não precisa engravidar agora, é melhor esperar um pouco", reforça o ginecologista César Fernandes, presidente da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia. "Mas é complicado dizer isso às que estão no fim da vida reprodutiva."

Para as já grávidas, as principais recomendações são evitar áreas de infestação do Aedes aegypti, usar repelente, roupas leves e compridas, e instalar telas em portas e janelas.

"Todo o cuidado tem que ser tomado para evitar a exposição ao mosquito e a infecção pelo zika. Como a maioria dos casos [80%] é assintomática, muitas mulheres nem saberão se foram ou não infectadas", diz o obstetra Adolfo Liao, coordenador materno-infantil do Einstein.

As que manifestam sintomas podem recorrer a testes. O mais acessível, de biologia molecular, só funciona nos primeiros dias de infecção. O outro, que busca anticorpos do zika, custa R$ 900 em média e só está disponível em alguns laboratórios privados.

Após confirmada a zika, porém, não há o que fazer. Além de não existir remédio para curar a infecção, ainda não se sabe qual o risco real de o bebê desenvolver microcefalia.

No Nordeste do país, as alterações cerebrais dos fetos têm aparecido só por volta da 28ª semana de gestação.

"Fazendo um acompanhamento [com ultrassom] mais frequente, podemos identificar alterações mais cedo", afirma o obstetra Thomaz Gollop, professor da USP.

Já o obstetra Manoel Sarno, especialista em medicina fetal e que já acompanhou 80 casos de microcefalia associados à zika na Bahia, diz que será "improvável" o diagnóstico antes da 20ª semana.

Por isso, mulheres com diagnóstico de zika no início da gravidez têm recorrido ao aborto ilegal antes de saber se o feto tem microcefalia. Nessa fase há poucos riscos para a mulher. Quando a microcefalia é detectada, é mais difícil interromper a gravidez: é preciso causar a morte do feto, por meio de uma injeção no coração, para, depois, induzir o parto.

PERGUNTA E RESPOSTAS

1 - Estou grávida, e agora?

Procure um obstetra e faça um pré-natal com ao menos seis consultas. Para evitar o Aedes, elimine criadouros, vista roupas compridas e meias, instale telas em portas e janelas e use repelente. O mais indicado é o que tem icaridina (Exposis), pois dura até 10 horas

2 - Adianta eu me mudar para um lugar mais frio?

O risco diminui um pouco porque, em tese, há menos circulação de mosquitos. Mas saiba que o Aedes aegypti tem se adaptado a temperaturas mais baixas

3 - Como descubro se estou com zika?

A maioria dos casos é assintomática, mas, às vezes, o vírus pode causar dor de cabeça e nas articulações, vermelhidão e dor atrás dos olhos, febre baixa por 3 a 7 dias, vômitos, manchas vermelhas e coceira. O teste mais usado, o de biologia molecular, só funciona nos 5 ou 6 primeiros dias de infecção, quando o vírus ainda circula no sangue. Depois é indicado um exame que busca anticorpos de zika. Disponível na rede privada, custa em média R$ 900

4 - Se eu contrair o zika, qual é o risco de o bebê ter microcefalia?

Ainda não se sabe qual o percentual de gestantes com zika que acabam por ter filhos com microcefalia

5 - Qual é o período da gravidez com maior risco?

A suspeita é que o risco de microcefalia seja maior nos primeiros 3 meses. A possibilidade parece existir também, em menor grau, quando a zika é adquirida no 2º trimestre. A partir do 3º, o risco é baixo, pois o feto está formado

6 - Se eu tiver zika antes da gravidez, também corro o risco?

Ainda não se sabe se as mulheres que tiveram zika antes da gravidez adquirem imunidade e, portanto, não têm risco de passar o vírus para o feto. Mais estudos terão que ser feitos para se definir o intervalo seguro entre a infecção e a gravidez

7- Qual exame devo fazer para detectar a má-formação no bebê?

A microcefalia é diagnosticada na gravidez pelo ultrassom morfológico, exame que serve para medir o tamanho do crânio e avaliar as estruturas cerebrais e outros órgãos

8 - Quando é possível saber se o bebê tem ou não microcefalia?

Não há consenso sobre o prazo. Segundo os médicos, é recomendável que se faça o exame morfológico por volta da 22ª semana de gravidez. Se a mulher apresenta sintomas de zika, no entanto, o ideal é que se faça o ultrassom já a partir da 12ª semana mensalmente

9 - Por que eu não consigo saber mais cedo, no 1º trimestre de gestação?

Entre outros motivos, porque leva tempo entre a gestante ser infectada pelo vírus e ele causar danos no cérebro do bebê

10 - Encontrarei juízes dispostos a autorizar o aborto legal ou o chamado "terapêutico"?

Provavelmente, não. A vasta maioria dos casos de microcefalia não é incompatível com a vida, mesmo com as graves lesões cerebrais. Para autorizar o aborto, é preciso que três médicos atestem a impossibilidade de o bebê viver fora do útero

11 - Até quando posso abortar sem risco para a minha saúde?

Até a 14ª semana há menos risco de sangramento, embora nessa fase não seja possível saber se o feto tem ou não microcefalia. Mas a prática é ilegal

12 - Vou encontrar médicos dispostos a fazer um aborto clandestino?

Provavelmente sim, porque já existem relatos de abortos tanto no início da gestação (antes de confirmar a microcefalia) quanto depois da 20ª semana. Nesses casos, porém, tanto a mulher como o médico correm risco de detenção