Onde estão os envolvidos?

Pivô de acidente, jato Legacy agora é 'mexicano' e já voou de novo no Brasil

Uma aeronave nova, com recente acabamento em madeira, motores devidamente inspecionados e abaixo do preço médio do mercado. Foi assim que, em setembro de 2011, uma empresa americana anunciava a venda de um jato Legacy 600.

Cinco anos antes, em 2006, a aeronave havia sido protagonista de um dos maiores acidentes aéreos brasileiros, ao colidir em pleno ar com um Boeing com 154 pessoas. Assim como essa aeronave executiva, os controladores de voo brasileiros e os pilotos americanos do Legacy envolvidos no acidente do voo 1907 da Gol permanecem ativos no setor da aviação.

Cesar Novaes
Aeronave Legacy, que colidiu com um Boeing 737 da Gol, depois de ter sido reformada, no Recife, em 2014
Aeronave Legacy, que colidiu com um Boeing 737 da Gol, depois de ter sido reformada, em Recife, em 2014

Antes de voltar aos ares, o Legacy chegou a ficar parado por quatro anos na base aérea da serra do Cachimbo, no sul do Pará, local em que os pilotos conseguiram fazer um pouso de emergência logo após a colisão com o Boeing. Com apenas 19 horas de voo, o jato foi vendido para uma empresa especializada em compra e revenda de aeronaves. E foi apenas em novembro de 2010 que o Legacy finalmente chegou aos EUA, onde teve sua asa reformada.

A partir de então, o jato que rasgou a asa do Boeing 737 da Gol passou a ser anunciado no país como uma aeronave nova, com pouco uso e abaixo do preço de mercado. Atualmente, o Legacy faz parte da frota de uma empresa de aviação executiva mexicana. E já esteve de volta ao Brasil ao menos uma vez, em abril de 2014, quando passou por Recife e Florianópolis.

Quem também segue na ativa no setor são os dois pilotos do Legacy, Joseph Lepore, 42, e Jan Paul Paladino, 34. Ambos foram condenados pela Justiça brasileira a três anos e um mês de prisão, num processo que se arrastou até o ano passado. Um acordo entre EUA e Brasil permite que eles cumpram a pena em solo americano, mas famílias das vítimas reclamam, no entanto, que isso nunca ocorreu.

Raimundo Pacco - 8.dez.2006/Folhapress
O piloto norte-americano Joe Lepore chega à sede da Polícia Federal para depor, em São Paulo, em 2006
O piloto norte-americano Joe Lepore chega à sede da Polícia Federal para depor, em São Paulo, em 2006

As famílias também esperavam a suspensão do direito de pilotar de ambos. Paladino, desde então, conseguiu a licença das autoridades americanas para pilotar aeronaves capazes de transportar mais de 300 passageiros. Voltou a pilotar pela American Airlines, onde já havia trabalhado antes do acidente –a companhia não diz se ele continua por lá.

Gilberto Taddey - 9.dez.2006/Folhapress
Jan Paladino ao retornar aos Estados Unidos, após o acidente, em 2006
Jan Paladino ao retornar aos Estados Unidos, após o acidente, em 2006

A defesa dos pilotos argumenta que o sistema brasileiro de controle aéreo é o responsável pelo acidente. O advogado dos pilotos diz ainda que o cumprimento da pena "se dará de acordo com os trâmites definidos pelo acordo de cooperação penal entre os dois países".

Além dos pilotos, os únicos condenados pelo acidente foram os controladores de voo de Brasília que se revezaram na tarde em que houve a colisão das aeronaves. Ambos também foram condenados a três anos e um mês de prisão pela Justiça comum. O caso ainda será analisado pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça).

O primeiro controlador a assumir naquele dia a vigilância sobre o Legacy, Jomarcelo Santos, carrega ainda uma condenação na Justiça Militar pelo caso. Ele foi acusado de ter sido negligente e não ter observado que o avião estava na altitude errada.

Sérgio Lima - 4.jun.2006/Folhapress
O controlador de voo Jomarcelo Fernandes dos Santos depõe durante sessão fechada na CPI do Apagão Aéreo, na Câmara dos Deputados
O controlador de voo Jomarcelo Santos depõe durante sessão fechada na CPI do Apagão Aéreo, na Câmara dos Deputados

Ele ainda teria passado a informação errada de que o Legacy voava na altitude certa para o controlador que o sucedeu, Lucivando de Alencar. Santos permanece ativo na Aeronáutica, com atuação no desenvolvimento de novas rotas aéreas.

Alencar, que assumiu o "controle" do Legacy naquele dia após uma troca de turno, também é acusado de negligência. Ele segue na Aeronáutica e trabalha no controle de aviões em solo no aeroporto de Fortaleza. A defesa dos controladores argumenta que o sistema brasileiro era deficiente e que isso causou o acidente.

Sérgio Lima - 4.jun.2007/Folhapress
O controlador de voo Lucivando Tibúrcio de Alencar durante depoimento à CPI do Apagão Aéreo, em 2007
O controlador de voo Lucivando Tibúrcio de Alencar durante depoimento à CPI do Apagão Aéreo, em 2007

Já os destroços do Boeing 737 da Gol permanecem no local da queda, no extremo norte de Mato Grosso, no meio da floresta amazônica, cercados por árvores de 20 a 30 metros de altura. Na operação de resgate aos corpos das vítimas feita pela Aeronáutica, nem todo o material foi retirado da área. Peças da aeronave estão espalhadas por um raio de 1 km, debaixo de camadas de folha e novas árvores.

Jorge Araújo - 19.abr.2007/Folhapress
Destroços do voo 1907 da Gol, seis meses após sua queda na floresta amazônica
Destroços do voo 1907 da Gol, seis meses após sua queda na floresta amazônica

Algumas peças aeronáuticas, que poderiam ter algum valor no mercado negro da aviação, foram retiradas ou inutilizadas pela Força Aérea. Os pneus da aeronave, por exemplo, estavam intactos, mas foram queimados pela Aeronáutica para que não fossem roubados.

A permanência dos destroços na região é alvo de uma investigação do Ministério Público Federal. A Procuradoria foi acionada por uma comunidade indígena da região que alega que o local do acidente deve ser preservado como sagrado. Por isso, os índios kayapós não poderiam usar a área para caça, extração de vegetais ou habitação. A comunidade pede por isso uma indenização da Gol. A companhia aérea não comenta o tema.