Doping

Problemas com laboratório na reta final para os Jogos mancham legado

PAULO ROBERTO CONDE
DE SÃO PAULO

O dossiê de candidatura dos Jogos do Rio prometia a criação de uma agência antidoping nacional, a ampliação do único laboratório com aval para processar amostras esportivas no país e uma série de testes que seriam realizados antes do megaevento.

No período entre 2009, quando a capital fluminense foi eleita sede olímpica, e julho de 2016, quase tudo, apesar dos sobressaltos, saiu do papel. Contudo, a apenas um mês dos Jogos, o aparato brasileiro antidoping é colocado em xeque. Acentua-se a dúvida se a estrutura montada está à altura de um evento da grandeza e da complexidade da Olimpíada.

O documento informa que a agência nacional, por exemplo, deveria ser constituída já em 2010. Com o nome de ABCD (Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem), ela só foi fundada em decreto assinado por Dilma Rousseff no final de novembro de 2011.

O órgão, atrelado ao Ministério do Esporte, funciona tal como uma secretaria, com orçamento e equipe à parte. A vinculação com o governo foi alvo de críticas, pelo fato de não ser independente.

Nos Estados Unidos, por exemplo, a Usada (agência antidoping do país) é reconhecida pelo Congresso, mas atua de forma independente.

Foi ela a responsável por investigação que culminou no banimento do ciclista Lance Armstrong do esporte.

Apesar de criada em 2011, a ABCD só passou a operar de fato em 2014, com a sistematização de exames antidoping. O secretário designado para a entidade, Marco Aurelio Klein, não era especialista na área e teve de recorrer a aprendizados no exterior. Além disso, penou para nomear e montar a equipe.

Em meio a isso, em agosto de 2013 o Ladetec, como era conhecido o laboratório da UFRJ (Universidade Federal do Rio), perdeu sua certificação da Wada (Agência Mundial Antidoping), por defasagem de equipamentos.

A instalação era a única do país credenciada –havia recebido o aval em 2002. Em razão de seu impedimento, os testes colhidos durante a Copa do Mundo de 2014 foram feitos em Lausanne (Suíça).

De acordo com o dossiê de candidatura, a Copa serviria também para checar o plano de logística que será utilizado na Olimpíada. Não serviu.

No meio tempo, testes coletados dentro do país tiveram de ser enviados para análise em instalações no exterior, o que significou mais custo para operação antidoping em confederações –algumas até mesmo abriram mão de fazer controles.

Com o laboratório incumbido de analisar os testes antidoping em risco, o governo federal lançou uma cruzada para readquirir a certificação do laboratório carioca.

Investiu R$ 188 milhões em sua renovação e ampliação –o que já estava previsto– e o rebatizou de LBCD (Laboratório Brasileiro de Controle de Dopagem). A nova composição está em funcionamento desde agosto de 2014.

Em março do ano seguinte, a Wada concedeu novamente ao laboratório aval para fazer análises de sangue para passaportes biológicos de atletas e, dois meses depois, deu a certificação total.

Pelo LBCD foram feitos controles de alguns eventos-teste da Rio-2016 em 2015.

A sensação de estabilidade fez água neste primeiro semestre. A Folha revelou que a ABCD ficou de setembro a junho sem pagar oficiais antidoping, o que Rob Koehler, vice-diretor geral da Wada, classificou como "inaceitável" e "preocupante".

Em 24 de junho, a Wada descredenciou o LBCD uma vez mais, após problemas técnicos da equipe –agora, o laboratório tem até a segunda semana de julho para recorrer à Corte Arbitral do Esporte ou ter a suspensão revogada por comitê da Wada.

A perda da certificação, que causou novo constrangimento aos órgãos responsáveis pela organização da Olimpíada, foi a gota d'água para o ministro do Esporte, Leonardo Picciani, que decidiu trocar o comando da ABCD mesmo sem a entidade ter culpa direta pelo fato –o órgão não tem relação administrativa com o LBCD. Nesta quarta-feira (29), a pasta confirmou a substituição de Klein pelo ex-judoca Rogério Sampaio, ouro olímpico em Barcelona-1992.

REAÇÕES

O comitê organizador dos Jogos do Rio afirmou que seu compromisso é garantir a competição "mais limpa possível" e que aguarda a resolução da Wada sobre a situação do LBCD. A entidade prevê realizar entre 5.000 e 6.000 testes antidoping entre 3 e 21 de agosto.

O diretor de operações da ABCD, Ronaldo Dias, disse confiar que o laboratório recuperará seu credenciamento e que a suspensão foi por uma "besteira". Uma equipe de seis técnicos da Wada fará auditoria na instalação nos dias 5, 6 e 7 de julho e pode emitir parecer favorável à revogação da punição.

O LBCD deve recorrer à CAS e, em nota, afirmou que a instalação tem o que "há de mais moderno no mundo em controle de dopagem". Ele espera obter a certificação novamente.