Tratamento

Sala que une diagnóstico e cirurgia reduz riscos do paciente

BRUNO BENEVIDES
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Unir no mesmo espaço mesa de cirurgia e equipamento de diagnóstico -como ressonância magnética ou raio-X- diminui o risco de o paciente morrer e aumenta a chance de sucesso das operações.

As salas híbridas já são realidade em instituições brasileiras como o Hospital do Coração (HCor) e o Hospital Israelita Albert Einstein, ambos em São Paulo.

No IEC (Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer), no Rio, a sala tem câmeras e telas de alta definição e um microscópio que permite ao cirurgião ver detalhes milimétricos dentro da cabeça do paciente. A estrela maior do espaço é uma ressonância magnética, que fica atrás de uma porta dupla de chumbo.

"É a disneylândia da neurocirurgia", diz Paulo Niemeyer Filho, diretor do IEC. A sala, que como todo o hospital só atende pacientes do SUS, custou R$ 16,7 milhões.

O espaço é utilizado principalmente em retiradas de tumores. A Folha visitou o local para entender como é o seu funcionamento.

No procedimento acompanhado pela reportagem, o médico operou um paciente com câncer no cérebro.

O cirurgião tirou a maior parte do tumor, que estava visível. Depois, o paciente foi levado para a ressonância ainda com a cabeça aberta.

Para isso, foi preciso guardar objetos metálicos, como bisturis e pinças, que podem ser atraídos pela máquina da ressonância. O paciente foi, então, transferido da mesa cirúrgica (que contém metais) para uma maca especial que pode entrar no aparelho.

O processo demorou cerca de 20 minutos e envolveu mais de dez profissionais, entre enfermeiros e médicos.

O exame constatou que ainda havia fragmentos de tumor, e o paciente voltou à mesa cirúrgica para a retirada.

"Sem a sala híbrida, provavelmente esse paciente teria que ser operado novamente em breve", diz Niemeyer.

'FERRARI'

"Imagine que você anda de Fusca e agora tem uma Ferrari". Assim o cirurgião vascular e vice-presidente do Einstein, Nelson Wolosker, compara a sala híbrida da instituição com espaços tradicionais.

No hospital de São Paulo a sala é utilizada para procedimentos do coração. Em vez da ressonância, há um equipamento robótico que faz raio-X em tempo real.

Gustavo Lacerda/Folhapress
Cirurgia vascular em sala hibrida do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo
Cirurgia vascular em sala hibrida do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo

Por causa da radiação, médicos e enfermeiros vestem um colete especial durante a cirurgia -toda vez que a máquina é ligada, luzes vermelhas se acendem.

As imagens aparecem em tempo real nas telas de alta definição espalhadas pela sala, que confere ao espaço um certo ar de ficção científica. O equipamento é controlado por uma engenheira, que fica na sala ao lado.

Minutos antes de iniciar uma cirurgia para corrigir um aneurisma que rompeu no tórax de um paciente, Wolosker explicou como os aparelhos diminuem os riscos.

"Há 10 anos esse paciente provavelmente estaria condenado. Seria necessário abrir da axila até a virilha, teria poucas chances de sobreviver".

Com os equipamentos, foi possível salvar o doente por meio de uma punção, com um cateter sendo guiado pelas imagens de raio-X.

"Antigamente, pacientes com cardiopatia eram tratados com cirurgia de peito aberto", diz Alexandre Abzaid, cardiologista do HCor -o hospital possui tanto a sala híbrida neurológica (com ressonância) quanto a cardiológica (com raio-X).

"Uma operação que era de cinco horas agora dura duas. E a pessoa pode sair do hospital em 48 horas", resume.

CUSTO ALTO

Wolosker afirma que o maior desafio dos espaços híbridos é o alto custo. Segundo o médico, o Einstein operou, via convênios, 120 pacientes do SUS desde a inauguração da sala, há dois anos. Mas ela fica ociosa muitas vezes por falta de demanda.

O Instituto Dante Pazzanese, em São Paulo, também oferece a sala híbrida para pacientes da rede pública.

"Muita gente precisa da sala, mas é difícil conseguir bancar. Queremos fazer mais cirurgias" diz Wolosker.

"O uso do espaço não é simples ou barato, você não poder ter ele em todo hospital. É para centros especializados e de excelência", completa Niemeyer.

Segundo Álvaro Atallah, diretor do Centro Cochrane do Brasil (rede de cientistas que avalia a efetividade de tratamentos), novidades como os espaços híbridos são implantadas antes mesmo de ter sua eficácia comprovada. "São introduzidas novas tecnologias caras, aumentam-se os custos e depois espera-se que evidências caiam do céu."

CABEÇA FECHADA

Além das salas híbridas, outra tecnologia que ajuda a melhorar a recuperação do paciente é o "gamma knife". O equipamento, que lembra uma ressonância, usa raios gama para atacar tumores e outros problemas no cérebro. "O paciente chega às 8h, faz o procedimento e pode almoçar em casa com a família", explica João Victor Salvajoli, rádio-oncologista do HCor.

A radiocirurgia costuma demorar até uma hora e é indolor. O paciente precisa vestir um capacete e é colocado deitado na máquina. "A maioria acaba dormindo durante o procedimento", afirma Salvajoli.

O HCor tem um dos dois únicos aparelhos em funcionamento no país -o outro está em Curitiba.

O IEC, no Rio, já comprou o seu, ao custo de R$ 10 milhões, e espera inaugurá-lo em breve. Para utilizá-lo, porém, será preciso reforçar o piso (o equipamento pesa 10 toneladas) e construir um "bunker" com paredes de chumbo de dez centímetros de espessura para conter a radiação.

"É a nossa menina dos olhos, mas só podemos trazer ao Brasil quando a sala estiver pronta", explica Niemeyer, do IEC. O equipamento vem da Suécia.

Segundo Salvajoli, o "gamma knife" aumenta a qualidade de vida do paciente. "São áreas muito cruciais do cérebro. Conseguimos tratar um tumor ou outros problemas que tenham milímetros sem precisar abrir a cabeça."