Tratamento

Do eletrochoque à estimulação cerebral: boas novas contra a depressão

IARA BIDERMAN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Técnicas para afetar áreas específicas do cérebro com ondas elétricas ou magnéticas são uma espécie de "eletrochoque" do futuro.

Embora alguns médicos não gostem da comparação com a eletroconvulsoterapia (muito menos quando chamada pelo nome popular de eletrochoque), o princípio de ação é o mesmo: o estímulo elétrico de neurônios que, influindo na liberação de neurotransmissores, altera a química e os circuitos cerebrais.

As novas tecnologias possibilitam o uso de carga elétrica baixa ou de impulsos magnéticos que são indolores e têm ação localizada. Incluem aparelhos de estimulação transcraniana -que são posicionados no couro cabeludo e na testa e podem usar energia elétrica ou magnética- e implantes de eletrodos dentro do cérebro (estimulação cerebral profunda).

A modificação da química cerebral para a liberação de certos neurotransmissores também é o princípio de ação de vários remédios psiquiátricos. Mas essa ação é sistêmica, ou seja, a substância ativa do remédio circula por todo o corpo, causando efeitos colaterais.

Os principais riscos envolvidos na estimulação cerebral são transitórios, como dores de cabeça, cervicais e formigamento. A terapia também pode afetar a audição e, mais raramente, causar convulsões.

No caso da estimulação cerebral profunda, somam-se os riscos cirúrgicos gerais, como complicações da anestesia e infecções.

Na cirurgia para colocar o implante, pode ocorrer hemorragia cerebral em menos de 2% dos casos. O paciente também pode desenvolver infecção na região onde os eletrodos foram colocados em 5% dos casos.

A ação localizada, só na área do cérebro que se deseja atingir, o procedimento não invasivo e a chance muito baixa de causarem efeitos colaterais são as vantagens dos aparelhos de estimulação transcraniana, segundo o psiquiatra Marco Marcolin.

"A evolução da psicoterapia, dos remédios e da psiquiatria passa por mexer com sistemas do cérebro em pontos específicos, alvo-dirigidos", diz ele, que usa em sua clínica aparelhos que emitem ondas magnéticas com potência dez vezes maior que o campo magnético da Terra para tratar casos como a depressão resistente a remédios.

As ondas emitidas pelo aparelho têm capacidade não só de ativar circuitos cerebrais, como de os desativar, coisa que a eletroconvulsoterapia não faz.

A aplicação é indolor: nas sessões, o paciente fica em uma poltrona reclinável com uma touca onde estão marcados os pontos de estimulação. O aparelho é posicionado na cabeça e emite ondas intervaladas.

Eduardo Knapp/Folhapress
Psiquiatra Bianca Bellini faz sessão de estimulação magnética transcraniana em paciente
Psiquiatra Bianca Bellini faz sessão de estimulação magnética transcraniana em paciente

A estimulação magnética transcraniana tem uso aprovado para depressão, alucinações auditivas em esquizofrenia e para planejamento de neurocirurgias.

"No tratamento da depressão, é muito útil para quem não responde aos remédios ou não consegue lidar com os efeitos colaterais que incluem ganho de peso e perda da libido", diz Marcolin.

Ele considera a técnica como primeira opção em casos de depressão na gravidez ou durante a amamentação, já que no tratamentos com remédios as substâncias químicas do medicamento podem ser absorvidas pelo bebê através da placenta ou do leite materno.

Além dos usos já aprovados, a estimulação cerebral está sendo testada para outros tratamentos, como o da obesidade mórbida.

DIETA CEREBRAL


Agostinho Cesar Guariente, 45, mecânico de automóveis, perdeu 47 kg em oito meses, sem dieta nem exercícios.

Guariente, que tinha paradas respiratórias, gota e problemas cardiovasculares, foi um dos voluntários para o estudo sobre o uso de estimulação cerebral profunda em casos de obesidade.

Eduardo Knapp/Folhapress
A neurologista Alessandra Gorgulho e o mecânico de automóveis Agostinho Cesar Guariente
A neurologista Alessandra Gorgulho e o mecânico de automóveis Agostinho Cesar Guariente

Coordenado pelos neurocirurgiões Alessandra Gorgulho e Antonio Salles, o estudo está sendo realizado no centro de neurociências do HCor (Hospital do Coração), em São Paulo.

O objetivo é verificar se o implante de eletrodos em uma área profunda do cérebro (o hipotálamo) conectados a um gerador como o de um marca-passo para criar impulsos elétricos nessa região pode acelerar o metabolismo para que a pessoa aumente o gasto calórico e emagreça.

A pesquisa, já feita com ratos e primatas, está em fase de testes em seres humanos. "É preciso provar que a técnica é segura, tolerável e capaz de modular o metabolismo sem causar outras alterações", diz Gorgulho.

Agostinho, que diz nunca ter emagrecido com dietas ("Na última, engordei 7 kg"), não estava em condições de saúde para fazer cirurgia bariátrica. E sofria com o medo de morrer durante o sono por causa da apneia.

"O implante não me incomoda, não sinto choque, é melhor do que usar óculos. Daqui [coloca a mão no peito onde fica o gerador] ninguém me tira", diz o mecânico, que quer chegar aos 100 quilos. Pesa hoje 123 quilos.

Para ter seu "acelerador metabólico" implantado, Agostinho passou por uma pequena cirurgia no cérebro, e os eletrodos foram colocados numa área cerebral extremamente complexa.

O hipotálamo, alvo pequeno e difícil de atingir, controla, além do metabolismo, funções como batimentos cardíacos, pressão arterial, ciclo de sono, memória, equilíbrio hormonal.

"Com o gerador de impulsos elétricos você tem a pessoa na mão", diz Salles, em tom de brincadeira.

Mas essa possibilidade, sem brincadeira, é uma das discussões éticas que envolvem a tecnologia de estimulação cerebral.

Mas essa possibilidade, sem brincadeira, é uma das discussões éticas que envolvem a tecnologia de estimulação cerebral.

Em artigo no "Jornal Internacional de Lei e Psiquiatria", Jan-Hendrik Heinrichs, do Instituto de Neuroscience e Medicina de Julich, na Alemanha, alerta para o risco de a estimulação cerebral ser usada em experimentos militares ou serviços de inteligência.

Outra questão ética, levantada no artigo de Heinrichs, é o perigo de superestimar as possibilidades e benefícios da manipulação tecnológica em relação às abordagens mais humanistas da medicina.

Uma grande preocupação, segundo o psiquiatra Mauro Aranha de Lima, vice-presidente do Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo), é a tecnologia ser usada para potencializar capacidades cognitivas de alguns indivíduos ou alterar a natureza humana de forma a causar desequilíbrios sociais -por exemplo, deixando apenas as pessoas que têm acesso à tecnologia mais "preparadas" para enfrentar desafios.

E há também o problema econômico, de acordo com Lima. "A perspectiva é a indústria colocar no mercado dispositos de estimulação cada vez mais caros e isso pode inviabilizar a saúde pública, que não tem como pagar por esses procedimentos", diz o psiquiatra.