Reabilitação

Próteses avançam com crânios customizados e realidade virtual

IARA BIDERMAN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

De uma máquina que parece um forno de micro-ondas sai uma calota craniana novinha, para reparar deformidades causada por acidente ou doença.

O "micro-ondas" é uma das impressoras 3D instaladas no Biofabris, laboratório de pesquisa de biomateriais para próteses ligado à Unicamp.

A prótese com material biocompatível (que não é rejeitado pelo organismo) produzida com essa tecnologia é a promessa para baratear a fabricação de membros e tecidos artificiais.

Enquanto uma prótese craniofacial importada custa cerca de R$ 100 mil, a feita no laboratório em Campinas pode sair por R$10 mil, segundo o coordenador do Biofabris, Rubens Maciel Filho.

"Nosso ideal é que seja acessível ao SUS", diz o coordenador do laboratório, que tem financiamento da Fapesp e do CNPQ para as pesquisas.

A tecnologia está sendo estudada não só para reduzir custos. Unindo tomografia computadorizada, réplicas tridimensionais da crânio do paciente, cálculos sobre o esforço mecânico que será exercido na região e detalhes como ranhuras para que osso, couro cabeludo e cabelos cresçam em cima da prótese, o laboratório consegue uma peça sob medida, no tamanho exato para reconstruir a falha óssea.

O "crânio customizado" reduz o tempo de cirurgia e aumenta a segurança do procedimento. "A prótese convencional nunca é do tamanho exato, tem que ser modelada à mão na hora de cirurgia. A que fazemos se encaixa perfeitamente. Além disso, usamos a réplica anatômica do paciente para fazer todo o planejamento da cirurgia, por onde prótese será encaixada, onde serão feitos os pontos de fixação, e isso diminui o tempo na sala de operação", diz o cirurgião plástico Paulo Kaharmadian.

Professor da Faculdade de Medicina da Unicamp, Kaharmadian coordena a parte médica da pesquisa em andamento no Biofabris. O estudo foi iniciado com o titânio, um metal leve, mas bastante duro, e agora está na fase de testar o material em pacientes.

"Ainda há poucas cirurgias feitas com essas próteses, não sabemos como os pacientes podem reagir. Em nosso estudo, já fizemos sete cirurgias, a primeira há quase quatro anos, a última há quatro semanas, e todos os pacientes estão passando bem", afirma o cirurgião.

O procedimento tem riscos. "Estamos mexendo em uma região muito próxima ao cérebro, muita coisa pode acontecer. A pessoa pode eventualmente ter uma convulsão, ou um processo infeccioso que vira meningite, ou, mais para frente, extrusão da prótese [rejeição e expulsão do material implantado]."

Até agora, só um dos pacientes teve problemas, já resolvidos: um hematoma e um edema cerebral após a cirurgia, que levaram a uma nova operação para a drenagem do cérebro.

Os riscos do procedimento assustaram os familiares do técnico químico Sandro Luis da Silva, 49. A cirurgia foi feita para reparar o lado direito do rosto, afundado quando o técnico foi arremessado na parede por causa de uma explosão na tecelagem onde ele estava trabalhando, no Réveillon de 2010.

"O dr. Paulo [Kaharmadian] foi curto e grosso: falou que eu poderia deitar na maca e não me levantar, ficar com sequelas de todo tipo: cego, surdo, mudo, inválido. Mas disse também que a equipe iria se precaver de todos os lados para isso não acontecer", conta o paciente.

A operação foi feita em agosto do ano passado. "Eles [os médicos] são todos loucos, mas valem ouro. Hoje estou aqui para falar sem constrangimento. Antes, eu não conseguia me olhar no espelho. O pior era sair na rua e ver as crianças olhando com medo para mim".

O fim do "constrangimento" é o principal objetivo das cirurgias para reparar falhas ósseas na cabeça e no rosto. "Não é só uma questão estética. As pessoas com essas deformidades têm medo e vergonha de sair de casa, largam o emprego, vão se segregando da sociedade", diz Kaharmadian.

O número desses pacientes não é pequeno. No Brasil, quase seis a cada dez vítimas de acidentes de trânsito têm traumas faciais e uma, lesões no crânio. Em 2013, o SUS registrou 170.805 internações causadas por esses acidentes.

A pesquisa do Biofabris não deve parar nos modelos de titânio. A equipe já iniciou estudos sobre uso de materiais derivados do ácido lático da cana-de-açúcar e do caroço do açaí para a produção de próteses biocompatíveis.

ROBÔ FISIOTERAPEUTA

Ao lado de novas próteses, o uso da robótica para a reabilitação anda a passos largos, com equipamentos como exoesqueletos usados para fisioterapia.

O Lokomat, produzido por uma empresa sueca, é um desses robôs fisioterapeutas.

O sistema combina um colete para manter o pessoa ereta, pernas robóticas encaixadas externamente nos membros do paciente, uma esteira rolante e uma tela com um programa de realidade virtual. E leva para passear a pessoa que perdeu a capacidade de andar por paralisia cerebral, lesões parciais da medula ou encefálicas.

Eduardo Knapp/Folhapress
Paciente faz exercício em robô fisioterapeuta na unidade da Vila Mariana (SP) da Rede Lucy Montoro
Paciente faz exercício em robô fisioterapeuta na unidade da Vila Mariana (SP) da Rede Lucy Montoro

A repetição dos movimentos cria novos circuitos cerebrais que reconstroem o caminho neuronal para que a ação motora seja, aos poucos, reaprendida pelo paciente.

Os exoesqueletos suecos para reabilitação estão disponíveis no mercado, mas cada equipamento custa cerca de R$ 2 milhões.

"Além de caro, o "Lokomat" exige um grande espaço para ser instalado, é superpesado, tudo isso limita seu uso. Mas a tendência é o desenvolvimento de modelos mais compactos", diz o fisiatra Daniel Rubio, diretor médico da Rede de Reabilitação Lucy Montoro.

No Brasil, só a Rede e a AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente) têm esses robôs fisioterapeutas, obtidos por meio de doações.

Em contrapartida à doação, a Rede Lucy Montoro fornece ao fabricante dados como o tipo de pacientes que mais se beneficiam do robô e a evolução de acordo com o número de sessões.

Outro equipamento robótico usado nestas duas instituições é o InMotion, para membros superiores.

Desenvolvido nos Estados Unidos, no MIT (Massachusetts Institute of Technology), por um engenheiro brasileiro, o braço robótico inicia movimentos e ajuda o paciente a "jogar" uma espécie de videogame programado para treinar a mobilidade de mãos, punhos, braços e ombros.

"Os braços robóticos interagem com o paciente em uma realidade virtual [o videogame] levando ao aprendizado motor e aumentando a precisão, a agilidade e a coordenação dos movimentos dos membros superiores", diz o fisiatra André Tadeu Sugawara, da unidade Vila Mariana da Rede Lucy.

É nessa unidade que a enfermeira Luciana Regina Macedo, 43, recupera os movimentos do lado esquerdo do corpo, perdidos por causa de um linfoma cerebral diagnosticado há dois anos. O programa de reabilitação começou no "Lokomat". Luciana chegava às primeiras sessões na cadeira de rodas. "Era difícil até ficar sentada, eu não tinha força no tronco", conta a enfermeira, que já recuperou a capacidade de andar.

Há dois meses ela treina os movimentos dos membros superiores no InMotion. "Além de ajudar na parte motora, o robô me ajuda a ganhar força e a aumentar a percepção corporal. A máquina é muito precisa e mostra para a gente as mínimas dificuldades de cada movimento", diz Luciana.

O robô pode ajudar em mais coisas. "Alguns trabalhos fazem uma relação entre os movimentos dos membros superiores e o número de palavras faladas", diz Fugawata.

Isso pode beneficiar pacientes com lesões cerebrais que causam dificuldade de comunicação, como em alguns casos de AVC (Acidente Vascular Cerebral).

Esse e outros tipos de ganhos são objeto do estudo sobre o uso do InMotion em pacientes de AVC que os profissionais da Rede Lucy Montoro estão realizando em parceria com a Universidade de São Paulo e o MIT.