Aplicativos economizam tempo e dão mais poder ao paciente
FERNANDA PERRIN
DE SÃO PAULO
Em abril do ano passado, o aposentado José Antônio Godas, 60, sofreu um AVC (acidente vascular cerebral). Dois meses depois, passou por uma cirurgia no cérebro para impedir o rompimento de um aneurisma.
Desde então, ele faz check-ups trimestrais. Mas, em vez de envelopes com os resultados, tudo o que ele leva para as consultas é o celular. Há sete meses, é usuário do aplicativo SaúdeControle para organizar seu histórico médico e compartilhá-lo por e-mail com os médicos.
"Para mim e para todos os meus médicos -e olha que eu tenho vários- o app ajuda muito porque me dá mais mobilidade e flexibilidade."
Adriano Barcellos, 47, presidente do SaúdeControle, diz que o app tem cerca de 18 mil usuários, mas o objetivo é chegar a milhões.
"Nossa proposta é que as pessoas criem o hábito de organizar seu histórico médico, para que questionem melhor durante as consultas."
Há duas versões do aplicativo: uma gratuita, com funções bloqueadas, e a completa, que custa R$ 5 por mês.
De acordo com estudo da consultoria PwC, o uso de apps na área de saúde pode ajudar médicos a economizarem até 9% do tempo por dia e acrescentar R$ 14,8 bilhões ao PIB do Brasil até 2017, caso todo potencial do mercado seja aproveitado.
O número de aplicativos com esse foco disponíveis para download nas lojas App Store e Google Play passou de 100 mil em 2014, segundo levantamento da consultoria research2guidance.
Entre eles, predominam os voltados para usuários com doenças crônicas (31%) e para os interessados em dieta e exercícios (28%), segmento que tem se aproveitado da onda dos dispositivos vestíveis.
Em julho de 2014, a CareNet lançou o KLiP, um sensor que, acoplado à roupa do usuário, calcula o número de passos dados, calorias queimadas e tempo de atividade física, sincronizando os dados com o celular.
A partir desses dados, o app mostra gráficos de desempenho que podem ser compartilhados com outras pessoas em comunidades -opção que vem sendo usada por academias, segundo Immo Oliver Paul, presidente da CareNet.
Novas versões do vestível e do app foram lançadas neste mês. Uma das novidades é um sistema de geolocalização que identifica a praça de alimentação onde o usuário está e recomenda restaurante e refeição mais adequados para a dieta dele, diz Paul.
Para o presidente da empresa, em breve todos terão um software para cuidar da saúde. "Daqui a dez anos, se você entrar numa sala de reunião, seu app vai fazer contato com o ar-condicionado e informar seus dados para criar um ambiente confortável. Ao mesmo tempo, você será avisado para se preparar caso seja encontrado um vírus no filtro da máquina."
SEGURANÇA
Juliano Tesser, especialista em regulação e vigilância sanitária da Anvisa, afirma que aplicativos utilizados para diagnóstico em saúde estão passíveis de regularização junto ao órgão. Já aqueles voltados para esportes, lazer e mensuração de gordura corporal não são considerados produtos para saúde e, portanto, não precisam ser regularizados.
Na dúvida, os médicos ouvidos pela Folha recomendam sempre consultar um profissional antes de começar a utilizar um app.
"Infelizmente existem apps mal desenvolvidos, sem profissionais de saúde por trás, mas que são lindos e atraem usuários", diz o médico Raphael Gordilho.
A "bagunça das lojas de apps" motivou-o a criar, em 2012, o site Aplicativos de Saúde, cuja proposta era ser uma curadoria do mundo digital feita por médicos.
Hoje, Gordilho está envolvido com outros projetos e o site não é mais atualizado, mas ainda é possível checar as avaliações dos aplicativos, feitas por médicos.
Gustavo Gusso, diretor da Sociedade Brasileira de Medicina da Família e da Comunidade, recomenda o uso de apps médicos (desenvolvidos para profissionais da saúde), e não aqueles para pacientes, que perderiam qualidade ao tentar traduzir para leigos as informações técnicas.
Os médicos ouvidos pela reportagem discordam que a tecnologia possa afastar médico e paciente, indo na contramão do discurso de humanização da saúde.
Para eles, os principais benefícios que os apps trazem para o profissional são informações acuradas sobre a rotina do usuário (os níveis de glicemia, no caso de um diabético) e agilidade na comunicação desses dados.
"Antes dos apps, o paciente chegava ao meu consultório e falava 'eu tomo aquele remédio rosa redondinho'. Hoje em dia ele tem a foto do medicamento no celular", afirma a médica Mariana Perroni, que trabalha na Berrini Ventures, aceleradora de start-ups de saúde.
Do ponto de vista do paciente, os aplicativos são uma forma de ter mais poder: ele entende melhor o que acontece com seu corpo e consegue discutir com seu médico. "A tendência hoje é a da medicina especializada. Não existe um tratamento ideal, mas o ideal para cada pessoa, e os apps ajudam o paciente a defini-lo com o médico."