Futuro

Teste genético vai ultrapassar a medicina e guiar o estilo de vida

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TAÍS HIRATA
DE SÃO PAULO

Em 50 anos, sua escova de dentes avisará quando você estiver ficando gripado. Com seu celular, poderá analisar um churrasquinho de rua e saber se contém bactérias ou toxinas. É a genética.

Nas próximas décadas, a medicina vai passar por uma revolução. O DNA vai guiar não só a forma como são diagnosticadas e tratadas as doenças, mas todo o estilo de vida das pessoas.

O ponto de partida é o sequenciamento genético, espécie de mapa dos genes humanos. Por enquanto, no Brasil, só um local faz esse exame, o laboratório Mendelics, em São Paulo.

Lá, em uma sala escura de 20 m², três aparelhos com cara de máquina de xerox realizam todos os dias os mapas genéticos de dezenas de pessoas. A partir deles, pacientes descobrem se desenvolverão doenças hereditárias e, em muitos casos, têm chances de preveni-las a tempo.

O exemplo mais conhecido é o câncer de mama hereditário. Para algumas mulheres, a probabilidade de contraí-lo pode chegar a 90%.

A solução é drástica e ficou famosa com a atriz Angelina Jolie. Em 2013, ela retirou os dois seios para se prevenir contra a doença que matara sua mãe.

Também por meio desse mapa genético, pacientes com câncer já podem descobrir qual é a alteração genética responsável pela doença e, assim, saber as terapias mais indicadas. A eficácia não é de 100%, mas a probabilidade de sucesso aumenta.

A análise funciona assim: com uma amostra de sangue ou saliva, o sequenciador produz um mapa do DNA. Em seguida, um software interpreta esses dados e os entrega a médicos, que fazem o diagnóstico final.

Parece simples, mas o primeiro sequenciamento humano demorou mais de dez anos para ser completo, em 2003. Atualmente, ele é feito e analisado em apenas alguns dias.

"Hoje, só fazemos testes em pacientes com histórico familiar", afirma o médico especialista em genética David Schlesinger, um dos sócios do Mendelics. Mas projeções indicam que, no futuro, todo bebê vai sair da maternidade já com seu mapa do DNA.

Nem todo distúrbio ligado à genética pode ser previsto, já que muitos têm uma enorme influência de fatores externos. É o caso da diabetes e de problemas cardiovasculares, por exemplo.

No entanto, pesquisadores especulam que, a partir de estudos extensos, seja possível encontrar padrões matemáticos que estabeleçam os fatores genéticos ligados a qualquer doença, mesmo que eles não sejam 100% determinantes.

"Ainda não sabemos porque alguns fumantes têm câncer e outros não. Se encontrarmos os elementos que predispõem à doença, uma pessoa que apresentá-los saberá que jamais pode fumar", explica o oncologista Carlos Gil Ferreira, diretor do laboratório Progenética.

Dessa forma, tanto tratamento quanto prevenção serão personalizados. Então, por exemplo, uma garota que tem grandes chances de ter trombose, jamais tomará anticoncepcionais orais, assim como alguém com predisposição a contrair um câncer de pele tomará cuidado redobrado com sua proteção solar.

FUTURO NA PALMA DA MÃO

A genética vai ser um fator importante na hora de escolher com quem ter filhos, conforme as previsões do médico norte-americano George Church, professor de genética da Escola de Medicina de Harvard, nos EUA.

"Você terá uma lista de pessoas com quem é compatível", explica. Para ele, é preciso ter certeza de que a combinação dos genes dos pais não resultará em doenças hereditárias graves, como Huntington ou anemia falciforme.

Aos casais apaixonados, porém "incompatíveis", Church sugere alternativas como usar o esperma de outro ou fazer fertilização in vitro -neste caso, só os embriões saudáveis seriam implantados.

Outra previsão arrepiante do cientista: doenças ligadas à idade avançada poderão, segundo ele, ser eliminadas por meio da reversão do envelhecimento de tecidos (vasculares, neurológicos, ósseos etc.), ou seja, uma espécie de fonte da juventude.

"Isso já é feito em ratos e com células humanas, que são alteradas geneticamente para se tornarem novas", diz.

"Certamente esses avanços vão impactar a expectativa de vida do ser humano, teremos que lidar com isso", afirma Carlos Gil Ferreira.

Já outros especialistas são mais cautelosos, como Lawrence Brody, diretor do National Human Genome Research Institute (NHGRI), nos EUA. "O potencial é grande, mas tudo precisa ser provado", afirma. Para ele, ainda é cedo para traçar tais projeções.

Mas a euforia dos pesquisadores é inegável.

Com um aparelho de dez centímetros na palma das mãos e um sorriso entusiasmado, Schlesinger, do Mendelics, decreta: "O futuro é isto aqui".

Trata-se de um sequenciador genético portátil, que custa cerca de US$1.000, embora ainda não seja comercializado.

Ele explica que esse pequeno equipamento será a base para levar a genética a objetos do dia-a-dia. É o caso da escova de dentes que detecta em sua saliva o DNA de bactérias ou vírus e avisa que você ficará gripado, ou do aparelho portátil que analisará o churrasquinho de rua e poderá encontrar bactérias –ou mesmo dizer se a carne é de boi ou de gato.

QUESTÕES ÉTICAS

As possibilidades da genética são inúmeras, assim como as preocupações em torno delas. "O limite será o bom senso e a ética da humanidade", afirma o bioeticista Alvaro Salles.

Mas suas projeções não são otimistas: "Tudo tem dois lados, mas a tendência humana sempre foi a busca pelo poder e pelo lucro".

Um grande temor é que os avanços sejam usados para selecionar características físicas do embrião -o que, segundo Lawrence Brody, do NHGRI, ainda é uma hipótese distante por limitações técnicas. Outra preocupação é a eliminação de embriões portadores de distúrbios.

"Será que um futuro sem Downs seria melhor?", questiona Volnei Garrafa, coordenador da Cátedra Unesco de Bioética da Universidade de Brasília. "Poderá haver uma higienização da espécie humana a partir de abortos intrauterinos, seleção genética mesmo".

Outro tema polêmico é o sigilo dos dados genéticos, principalmente em relação a empregadores e seguros de saúde. "Pode haver uma exclusão terrível, porque será provado cientificamente que há diferença entre os seres humanos e, portanto, há hierarquização", diz Salles.

De acordo com George Church, de Harvard, muitos Estados norte-americanos já possuem leis que definem que planos de saúde ou empresas não podem pedir informações genéticas. "Mas se você não concorda com a legislação de seu Estado, pode simplesmente ir morar em outro lugar", afirma.

Para Garrafa, no Brasil, já existe um descompasso entre o ritmo dos avanços tecnológicos e dos aspectos legais. "Temos um dos Congressos mais atrasados para questões científicas", afirma.

Ele pede a crianção de um Conselho de Bioética para guiar as discussões, mas a proposta está parada desde 2005. "É urgente que o mundo moderno comece a fazer legislações bastante rigorosas".