Criar filhos é mais arte que ciência, diz pesquisador de Harvard
FÁBIO TAKAHASHI
DE SÃO PAULO
As palavras do pediatra Jack Shonkoff, da Universidade Harvard (EUA), podem surpreender famílias que gastam pequenas fortunas com cursos e brinquedos para crianças de até seis anos. Para o pesquisador, bastam interação com adultos e poucos utensílios para garantir bom desenvolvimento infantil.
Shonkoff é diretor de centro em Harvard que pesquisa o desenvolvimento infantil.
A instituição defende que a boa estruturação cerebral na primeira infância depende da qualidade da atenção que os adultos dão às crianças. Quando elas recebem respostas para as demandas, conexões neuronais são ativadas, se integram às outras e se fortalecem.
E são essas conexões que formarão a base que, no futuro, favorecerá boa aprendizagem na escola e e as habilidades para se relacionar bem com as outras pessoas.
"Nada disso exige brinquedos ou cursos caros para as crianças", afirmou Shonkoff à Folha, por telefone.
Outro ponto que o pesquisador defende é que os pais não devem ficar se culpando por eventuais erros com os filhos. "Mesmo os melhores pais do mundo cometem erros todos os dias. Criar filhos é muito mais uma arte do que uma ciência", disse.
A seguir, a entrevista com o professor, que já deu palestras no Brasil e é um dos maiores especialistas do mundo sobre desenvolvimento infantil.
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Jack Shonkoff, diretor do Centro de Desenvolvimento Infantil da Universidade Harvard |
O que os pais podem fazer para realmente ajudar no desenvolvimento dos filhos?
Jack Shonkoff - A resposta é simples. Durante a gravidez, garantir que o bebê e a mãe estejam em boas condições de saúde. Ter o atendimento médico adequado. E dormir bastante antes do bebê nascer, porque depois... (risos).
Logo após o nascimento, o mais importante é construir forte conexão com a criança. Estar atento às demandas dela e respondê-las. Como num pingue-pongue, se a criança sorri ou aponta para algo, é importante que o adulto sorria de volta, converse. É isso que constrói a relação, que são os tijolos necessários para todo o desenvolvimento que virá na sequência.
Um outro ponto é oferecer oportunidades para a criança explorar o ambiente, aprender. E protegê-la de ambientes com altos níveis de estresse.
O que significa oferecer oportunidades para as crianças aprenderem?
Cada idade é diferente da outra. Requer alguma pesquisa. Mas o importante é que a criança seja engajada na atividade numa forma positiva. As pessoas dizem ser importante ler para seu filho, o que é correto. Mas se a criança não quer ficar sentada, você precisa brigar com ela, segurá-la. Ela vai chorar, se estressar, o que não é bom. A atividade tem de ser prazerosa para a criança.
É interessante colocar as crianças de até seis anos de idade em aulas como música, artes, línguas?
Esse é outro ponto importante: bom julgamento e equilíbrio. De um lado, você pode ter crianças pouco estimuladas, sem boas oportunidades de aprendizagem, o que é ruim. Mas o oposto, com demasiadas oportunidades de aprendizagem, agenda pesada, não é bom.
Mesmo que a preocupação seja de estimular as crianças, há pais super-estimulando os filhos. Um bom modo de encontrar o equilíbrio é deixar a criança ser criança.
A melhor forma de a criança aprender, do nascimento até o ensino regular, é brincando. Não com instruções.
As crianças vão aprender melhor, vão melhor na escola, se ela tiver tempo garantido para brincar apenas. Com outras crianças ou sozinha, imaginando coisas. Um monte de atividades, impostas, pode ser fonte de estresse.
Mas uma aula de música ou de natação não é importante para a criança?
É maravilhoso se os pais tiverem condições de oferecer experiências como música ou esportes. Mas apenas se for divertido para a criança.
O conceito-chave aqui é entender a criança. Não impor as mesmas coisas para todas as crianças. O aprendizado deve ser divertido.
Mesmo dentro da mesma família, cada filho pode ser diferente do outro. Talvez um possa adorar música, outro natação. Se a criança chora por causa da atividade proposta, é melhor recuar.
Qual risco pode haver para criança super-estimulada?
Se você força a criança a aprender algo, reforça a impressão de que aprender tem de ser desprazeroso. O que é a pior coisa que você pode fazer. A criança pode se tornar resistente à aprendizagem.
Em casos extremos, há altos níveis de estresse para a criança, a pressão sanguínea fica alta. Em situações prolongadas, pode haver problemas fisiológicos, danos ao cérebro, inclusive.
Mas isso é em situações extremas. O problema geral é emitir sinais negativos sobre a aprendizagem. O que é o oposto que os pais buscam.
Se os pais não conseguem oferecer estímulos corretos numa determinada idade para a criança, o que fazer?
Uma coisa importante é que a estimulação correta não requer muito dinheiro.
Não significa comprar brinquedo caro ou pagar curso caro. O mais importante para o desenvolvimento é a boa conexão da criança com os pais. As coisas que elas precisam aprender estão disponíveis no próprio ambiente.
O mesmo que a criança aprende com brinquedos caros de colocar e tirar coisas de caixinhas ela pode aprender com panelas e tampas.
Voltando para a pergunta se é possível recuperar algo perdido. A resposta: você sempre pode melhorar as coisas, ainda que talvez não no mesmo nível se você tivesse feito no momento ideal.
Mas o que posso dizer para os pais é que mesmo os melhores do mundo cometem erros todos os dias. Criar filhos é muito mais uma arte do que uma ciência. Crianças não são tão frágeis. Há diversas formas de ser um bom pai ou mãe, que garantam um bom desenvolvimento da criança. O problema mesmo é quando a criança é maltratada ou abandonada.
Qual o peso que a genética e os estímulos dos adultos têm no desenvolvimento infantil?
Esse é um campo que a ciência fez grandes descobertas nos últimos anos. Até vinte anos atrás, tínhamos o debate genética versus ambiente. Do ponto de vista científico, é uma discussão que não faz mais sentido.
O que aprendemos com a ciência é que há pouquíssimas coisas criadas por genética e que não sofrem influência pelo ambiente.
Sobre a inteligência, características emocionais, desenvolvimentos social e motor das crianças muito se pergunta se é genético ou é efeito do ambiente. A resposta é que são ambos.
Crianças nascem com genéticas diferentes, apresentam diferentes predisposições em cada idade, mas como isso de fato se desenvolve não é primordialmente uma questão genética. É como o ambiente molda a genética.
Qual a opinião do senhor sobre o uso de tablets ou celulares por crianças?
É uma pergunta que me fazem o tempo todo. Voltando ao começo: o mais importante para o desenvolvimento da criança é a interação com pessoas, por meio das demandas e das respostas.
Quando você é mais velho, pode aprender por meio de vídeos, de tablets. Um bebê, não. O problema do tablet é que ele ocupa o espaço da interação com pessoas.
Se uma criança gasta muito do seu tempo com um tablet, isso não é bom.
Se a criança for usar um tablet, que seja junto com um adulto, que também pode encontrar o melhor material para a criança.
Existe um tempo máximo ou recomendável para a criança usar esses aparelhos?
Cientificamente, ainda não existe essa resposta. Mas existem coisas que podemos dizer com base no bom senso. Mesmo uma criança de dois anos, se ela usa um tablet por algum tempo no dia para brincar com ícones animados, mover figuras ou ver o resultado de suas próprias ações, não há evidência de que seja prejudicial.
Mas se o pai entende que o tablet pode substituí-lo, e a criança usa-o por muito tempo diariamente, não é bom. Em qualquer idade.
Outra forma de responder isso é saber se o uso dos aparelhos está substituindo ou interferindo em outras atividades. Ele está brincando menos com outras coisas, menos com blocos, brincadeiras de imaginação? Se sim, isso não é bom.
E, claro, o conteúdo do tablet importa. Se é um jogo violento, isso não é bom.
Qual sua opinião sobre políticas e o ambiente para o desenvolvimento infantil no Brasil?
Noto um crescente número de pessoas, em diferentes setores da sociedade, cientes de como os primeiros anos de vida são importantes. E outras que não entendem.
Sei que está em discussão no Congresso uma legislação para a primeira infância [um dos temas é o aumento da licença-paternidade]. É um ótimo exemplo do aumento do interesse e preocupação sobre a primeira infância.
Mas como em todos os países há diferentes níveis de entendimento sobre o tema. Há os que defendem que a atenção ao desenvolvimento deve ser uma preocupação do Estado e da família, o que eu concordo. Outros entendem que é uma responsabilidade apenas da família.
No Brasil há um enorme esforço para construir escolas para crianças entre 0 e 5 anos. O que o senhor acha dessa política? É positivo colocar crianças nesses espaços?
A ciência é muito clara. Os estímulos corretos, as necessidades das crianças, podem ser oferecidas em diversos locais. Em casa, pelos pais. Pelos vizinhos, na creche. A questão não é o local, mas a qualidade da experiência.
Vale para famílias pobres ou para as classes altas. Nesses escolas há boa interação do adulto com a criança? Elas têm oportunidade de aprender? São seguras? São alegres? Isso é ótimo.
Se as crianças estão enfileiradas, com um monte tarefas para fazer, não é apenas péssimo. É ridículo. Mais uma vez digo, a criança nessa idade não aprende por meio de treinamento. Aprende com brincadeiras e interações.