Arquitetura

Laboratório de projetos comunistas

Cinema em Pyongyang Johanna Nublat/Folhapress
Cinema de 2.000 lugares que recebeu o Festival Internacional de Cinema de Pyongyang, em setembro

JOHANNA NUBLAT
ENVIADA ESPECIAL A PYONGYANG

Há várias gruas na paisagem da capital norte-coreana. E os novos edifícios sobem de maneira acelerada.

"Desde o primeiro ano do marechal Kim Jong-un [que assumiu o regime após o pai morrer, em 2011], construímos uma rua nova todo ano", diz Kim Chang Gyong, da Faculdade de Ciências Sociais de Pyongyang, repetindo um dado ouvido com frequência pela Folha, que esteve na capital no mês de setembro.

A erguida em 2015 —a Rua dos Cientistas Mirae— foi construída em poucos meses e tem variados prédios coloridos residenciais, um centro de pesquisas e um cinema.

Johanna Nublat/Folhapress
Rua dos Cientistas, concluída em 2015, com prédios residenciais em Pyongyang
Rua dos Cientistas, concluída em 2015, com prédios residenciais em Pyongyang

A rua deste ano está em passo avançado de construção, mas as obras foram suspensas depois que o governo redirecionou parte da força de trabalho para o nordeste do país, afetado por enchentes há algumas semanas.

Pyongyang e outras cidades norte-coreanas vivem um certo boom imobiliário, apontam observadores do país.

Segundo o russo Andrei Lankov, especialista em Coreia do Norte, apesar de o governo não reconhecer a propriedade privada na maior parte dos casos, a permissão de moradia nos imóveis é comercializada como se fosse propriedade e usada como uma das poucas formas de investimento pelos mais ricos.

Em um artigo publicado em dezembro, Lankov diz que os empreendimentos são feitos pelo governo em parceria com investidores privados.

Os novos prédios, descreve o russo, "geralmente modestos para os padrões sul-coreanos ou chineses, oferecem um nível de conforto que, até recentemente, só era encontrado em moradias da elite".

Há variados estilos pelas ruas da capital —muito danificada durante a Guerra da Coreia (1950-1953)—, que vão da clara influência soviética ao contemporâneo com características locais. As avenidas são largas, e os monumentos estão bem delimitados.

O arquiteto e jornalista alemão Philipp Meuser, que editou um guia sobre a arquitetura de Pyongyang, avalia que as formas da capital funcionam, "de alguma maneira, como espelho da ideia socialista".

Isso porque, diz Meuser, reservam destaque estético aos prédios públicos —como teatros, cinemas, prédios do partido e o metrô, que é bem decorado— e formas mais simples às residências.

'MADE IN KOREA'

Nos prédios dos últimos anos, Meuser diz ver um claro desejo de imprimir uma marca nacional —algo que ressoa com o discurso oficial de autossuficiência do país.

Calvin Chua, arquiteto baseado em Cingapura, enxerga algo semelhante. Percebe na Rua dos Cientistas Mirae, com seus prédios em formas variadas, uma tentativa de achar uma nova linguagem, contemporânea, mas que acaba sendo limitada pelos materiais disponíveis.

"A rua de 2015 aponta para um futuro possível", diz.

Chua coordena um projeto de intercâmbio entre arquitetos estrangeiros e norte-coreanos, que ocorreu nos últimos dois verões na capital.

A arquitetura atípica e as formas "vintage" espalhadas pela capital atraem, de fato, a atenção de estrangeiros.

O fotógrafo francês Raphael Olivier, baseado em Xangai, embarcou para Pyongyang em agosto, em um tour com foco em arquitetura. Voltou com um portfólio pessoal.

"Achei muito particular a falta da propaganda comercial ocidental ou distrações visuais. A cidade é muito pura: você não vê Starbucks, McDonald's, a paisagem aparece muito claramente", diz.

"Como eles não têm acesso a materiais de ponta e tecnologia, já que há tantas sanções econômicas [internacionais, pelos testes nucleares], eles usam basicamente concreto, então dá um senso de prédios fortes e pesados, o que por sua vez combina com a ideologia do país", avalia.