Análise

O novo imperialismo chinês

RODRIGO ZEIDAN
ESPECIAL PARA A FOLHA

A China tem investido bilhões de dólares na África e na América Latina.

Um dos grandes projetos do país é a nova rota da seda. A original começou há mais de 2.200 anos e ligava o Japão e a China à Europa, passando por vários países da Ásia e do Oriente Médio.

Teve seu auge durante o Império Romano, chegou a declinar por séculos, foi reaberta pelo império Tang, em 639, e somente se desintegrou de verdade depois da desintegração do Império Mongol e das políticas isolacionistas da dinastia Ming, na China. Era o grande símbolo da primeira era da globalização e garantia aos chineses acesso a produtos do resto do mundo e vice-versa.

A recente investida do governo chinês para a construção de uma nova rota da seda é parte do novo imperialismo chinês capitaneado por Xi Jinping. O país já prometeu mais de US$ 125 bilhões, com a possibilidade de quase US$ 1 trilhão a ser investido no que o premiê chinês chamou de "Projeto do Século". Mais de 40 países já assinaram acordos formais com a China. Os projetos incluem desde portos na Tanzânia até estradas no Paquistão.

Ao mesmo tempo em que o governo chinês planeja gastos megalomaníacos (em parte, copiando a fracassada estratégia brasileira da Nova Matriz Econômica que afundou o país), as empresas chinesas continuam a olhar para o mundo como grande celeiro de oportunidades, embora seu apetite tenha diminuído ultimamente.

Alguns analistas chegaram a acusar a China de seguir estratégias imperialistas que seriam similares às utilizadas por potências europeias para subjugar países africanos e latino-americanos nos séculos 19 e 20. Mas o novo imperialismo chinês não tem nada a ver com dominação global, e sim com uma combinação não linear de estratégias empresariais e políticas.

Do ponto de vista empresarial, em 2016 as corporações chinesas foram às compras, adquirindo US$ 246 bilhões de ativos no mundo inteiro, desde terras no Brasil até mineradoras australianas e até 10% do maior banco alemão, o Deutsche Bank. Mas, em 2017, essas aquisições caíram quase 70%.

A razão para isso tem muito mais a ver com especulação contra a moeda chinesa do que um desejo de dominação mundial. Até 2016 o câmbio fixo chinês estava valorizado, e o controle de capitais, frouxo. Desde então o governo chinês deixou o câmbio se desvalorizar e apertou as regras de saída de capitais.

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Não vale mais a pena adquirir ativos estrangeiros para especular contra a moeda chinesa. A partir de agora, as empresas vão passar muito mais a realmente checar a viabilidade das aquisições, se comportando como multinacionais em qualquer lugar do mundo. Não é preciso ficar com medo das empresas chinesas, elas não são diferentes das brasileiras, ou americanas, ou europeias.

Em 2006, a Vale adquiriu a canadense Inco por quase US$ 19 bilhões, e no ano passado a Bayer adquiriu a Monsanto por mais de US$ 66 bilhões. A maior aquisição da história do capitalismo recente chinês, a da Syngenta pela China National Chemical, não chega ao top 10 dos maiores negócios dessa década (como outra forma de comparação, a Kraft Heinz teve sua oferta de US$ 143 bilhões pela Unilever recusada).

O governo chinês, diferentemente, procura investimentos estrangeiros para atingir objetivos estratégicos que muitas vezes buscam o longo prazo. Para isso, empresta bilhões de dólares a países produtores de petróleo, com garantias em produção futura. Também financia obras de infraestrutura em ditaduras de quinta categoria usando seus recursos para garantir que essas obras sejam feitas por empresas chineses.

Nisso, é muito parecido com o capitalismo de compadre no Brasil, no qual o BNDES entrava com financiamento para que construtoras brasileiras executassem serviços na Líbia de Gaddafi, na Venezuela de Hugo Chávez, em Angola etc.

Na China, como aqui, a ditadura do dinheiro passa por cima do bom senso, e se aproximar de ditadores é parte natural da promoção do país como grande player no cenário mundial. Sem o apoio da China, por exemplo, seria muito mais difícil Maduro continuar subjugando o povo venezuelano. Ainda assim, muitos desses investimentos não vão levar a nada, mesmo que durante o tempo o país compre maior influência em algumas partes do mundo.

A China não é o inimigo e nem vai dominar o mundo. Para alguns países, vai até ser um importante parceiro na busca de desenvolvimento local.

A China é um país de classe média que tem seus surtos megalomaníacos. O Brasil também os teve (e têm): quem não se lembra da patética investida em tentar conseguir um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU?

No fim das contas, por mais influência que compre, a China só vai conseguir ir tão longe se entregar verdadeiro desenvolvimento à sua população, e não portos na Malásia. Como vimos no Brasil, megalomania pode ser seguida por uma profunda depressão, e sonhos grandiosos normalmente não se realizam.