Análise

Lições das reformas microeconômicas

Aly Song - 4.abr.2017/Reuters
Vista de distrito residencial na cidade chinesa de Xangai

RODRIGO ZEIDAN
ESPECIAL PARA A FOLHA

O sucesso econômico chinês desde o fim da década de 1970 é impressionante e multifacetado. Não há somente uma razão para ele, é claro, mas, entre muitas características, como câmbio desvalorizado e política monetária frouxa, as mais importantes foram, sem dúvida, as reformas microeconômicas.

Reformas microeconômicas mudam os incentivos econômicos de pessoas e empresas. Elas incluem alterações nas regras de direitos de propriedade, impostos, alocação de crédito, emprego, previdência, atividades rurais e regras de uso de propriedade comum, entre outras.

A China começou suas reformas no fim da década de 1970 com Deng Xiaoping e somente depois delas começou a crescer desenfreadamente.

As reformas começaram na agricultura, que na época concentrava quase 90% da população. As principais foram acabar com a coletivização da produção agrícola e introduzir o sistema de responsabilidade familiar, no qual cada família passou a ter a posse da sua terra desde que continuasse vendendo parte da sua produção ao Estado.

Somente essas mudanças aumentaram a produtividade agrícola chinesa em 25% em poucos anos. Nas áreas urbanas, a principal transformação foi o abandono do planejamento central, com incentivos à produção e ao consumo privados.

Em um primeiro momento, a burocracia estatal ainda tentava direcionar preços, subsídios e crédito (o sistema jingji ganggan), mas aos poucos os mecanismos normais de mercado foram estabelecidos.

Um dos principais exemplos é o de propriedades residenciais. Até 1980, o governo alocava unidades residenciais a famílias, que pagavam um aluguel subsidiado que mal cobria os custos de manutenção dos imóveis.

Em abril de 1980, o governo anunciou que as pessoas poderiam vender, comprar e construir suas próprias residências. Mais reformas, em 1988, 1991 e 1994, aumentaram a segurança jurídica dos proprietários de imóveis em áreas urbanas e facilitaram as vendas de terras públicas para a construção de imóveis comerciais e residenciais, dando início ao boom de construção que existe até hoje no país.

Essa transferência de propriedade tinha prazo de validade limitado, 70 anos para imóveis residenciais e 40 para comerciais. Isso significaria que após esse período os imóveis retornariam para as mãos do Estado. Mas, em 2017, o governo tem indicado de que vai mudar o sistema mais uma vez, garantido o direito de propriedade efetivo dos detentores de imóveis.

O que vale para os imóveis vale também para empresas estrangeiras, facilidade de comércio internacional, pagamento de impostos, acesso ao crédito e tudo mais que compõe o ambiente capitalista moderno.

Entre 2001 e 2004, o governo privatizou quase metade das empresas estatais, que hoje são muito menos importantes —à exceção dos bancos comerciais— que no passado. Até 1986, empresas estrangeiras não podiam ter subsidiárias na China sem parceiros locais.

Mesmo até meados dessa década, subsidiárias sem parceiros locais eram extremamente discriminadas, pagando mais impostos e tendo muito mais insegurança jurídica. Isso também vem mudando, e várias regras continuam mudando e tornando mais fácil o investimento direto estrangeiro.

Até 2016, por exemplo, estrangeiros não podiam abrir empresas de consultoria sem requisitos mínimos de investimento, mas isso, como muitas outras regras, evoluiu.

O resultado de todo esse esforço de modernização e reformas microeconômicas pode ser visto na evolução recente do ambiente de negócios na China e sua comparação com o Brasil. Em todas as dimensões, nos últimos dez anos tem ficado cada vez mais fácil fazer negócio na China, enquanto o mesmo não pode ser dito daqui.

Uma das formas de ver isso é através de uma medida chamada distância de fronteira, que mede o quanto um país está atrás do melhor país do mundo (que, na escala, tem valor 100) em deter- minada categoria (a fonte dos dados é o Banco Mundial). Ou seja, quanto maior o valor, melhor.

No caso da facilidade de pagar impostos, a China tem melhorado a cada ano, ultrapassando o Brasil em 2009 sem olhar para atrás.

Hoje, a diferente entre os dois países é gritante, e o Brasil continua sendo um dos piores países do mundo em esforço e tempo para pagamento de impostos.

Isso não é diferente no caso de abrir um negócio. Embora o Brasil tenha melhorado ao longo dos anos, a China ultrapassou o país em 2006 e hoje está somente 19 pontos abaixo do líder mundial, a Nova Zelândia.

Até em licenças de construção, a pior parte da corrupção chinesa, o país tem evoluído, enquanto o Brasil segue estacionado.

Ainda, antes das reformas de 2004, era muito mais difícil para que pessoas e empresas conseguissem crédito na China. Enquanto no Brasil isso tem ficado mais difícil, a China mais que triplicou a facilidade de acesso a crédito nos últimos dez anos.

O Brasil é o país mais fechado do mundo ao comércio internacional (exportações mais importações totalizam somente 25% do PIB), enquanto na China (cujo percentual saiu de 9% em 1960 para quase 40% hoje) cada vez mais há facilidade para importar e exportar.

Em vários aspectos sociais, a China ainda tem muito que evoluir. Mas, em termos de direitos econômicos, a "comunista" China está melhorando e já está bem à frente do "capitalista" Brasil.

Reformas econômicas são extremamente importantes e explicam grande parte do sucesso chinês. Esse movimento pela modernidade é uma das grandes lições para os países empacados na armadilha da classe média; o foco do Brasil deveria ser em reformas microeconômicas. Elas podem não garantir o crescimento do ano que vem, mas devem realmente criar as condições para um futuro próspero.