Análise

Desigualdade de renda e o futuro

RODRIGO ZEIDAN
ESPECIAL PARA A FOLHA

A desigualdade de renda, em si, não é algo ruim. Ela só destrói valor para a sociedade quando é alta e revela um fosso de oportunidades entre ricos e pobres.

O Brasil tem um histórico trágico em relação à desigualdade de renda, sendo o país de mais de 100 milhões de habitantes com pior distribuição de renda do mundo, nos últimos 50 anos.

Nosso crescimento econômico sempre foi concentrador de renda na mão de poucos. Isso também aconteceu no processo de desenvolvimento da maior parte dos países ricos do mundo. A diferença é que, depois de um determinado estágio, quando os países enriquecem, a desigualdade diminui. Esse fenômeno foi descrito pela primeira vez por Simon Kuznets, economista laureado com o Prêmio Nobel, nos anos 1950.

A ideia é simples. Quando as economias começam a enriquecer, a desigualdade sobe porque certos grupos ficam ricos primeiro. Quando os países conseguem escapar da armadilha da classe média para se tornarem realmente desenvolvidos, os benefícios se espalham para toda a sociedade e a desigualdade cai.

A curva de Kuznets foi deturpada para criar a teoria do bolo no Brasil: primeiro o país cresce e depois faz distribuição de renda. A curva de Kuznets não é normativa, mas é a cara do Brasil pegar um fenômeno natural e transformar em prescrição de política contra diminuição da pobreza.

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Hoje, há uma preocupação em relação à desigualdade no mundo, especialmente nos EUA, que deveria estar vendo sua desigualdade diminuir, e na China, que ainda está na parte ascendente da curva, pois só agora chegou à classe média.

No resto dos Brics (Brasil, Rússia, Índia e África do Sul), as coisas são um pouco diferentes. Enquanto Brasil e África do Sul estão entre os piores países do mundo em termos de distribuição de renda, essa é muito boa na Índia, mas reflexo do fato de que todo o país ainda é muito pobre.

Uma forma de ver distribuição de renda é por meio do índice de Gini, um valor que vai de 0 a 100, com 0 significando distribuição perfeita —todos ganhando exatamente a mesma coisa– e 100 o caso hipotético no qual somente um indivíduo teria toda a renda da sociedade.

No Brasil, a desigualdade de renda melhorou um pouco da década passada para esta, embora deva ter subido nesse período de crise.

Na China, ao contrário, ela aumentou bastante, atingindo 47,3 no último ano de dados disponíveis.

Embora seja esperado que a desigualdade de renda caia na China nas próximas décadas, ela apresenta riscos para a sociedade chinesa, além dos riscos para a estabilidade do Partido Comunista. Em países mais desiguais, os dados de saúde, violência e bem-estar são muito piores.

Reclamações contra a disparidade de renda já são comuns na China contemporânea. O país apresenta índices de criminalidade irrisórios, se comparados ao Brasil, mas ainda assim a desigualdade destrói bem-estar. Uma parte grande do problema está na comparação entre a renda dos moradores do campo e das cidades.

Mas o mais interessante é como as pessoas veem o aumento da desigualdade. Dadas a evolução histórica, religiosa e social chinesa, a visão sobre desigualdade é bem particular, com uma distinção clara entre a desigualdade "boa", aquela que vem do mérito, esforço e tomada de risco, e da "ruim", que surge da corrupção e injustiça.

A grande questão é se a desigualdade chinesa chegou ao pico e vai começar a descer ou se o país vai ficar preso, junto ao Brasil e à África do Sul, num estágio de alta desigualdade de renda que simplesmente bloqueia a ascensão social de grande parte da população.

Ademais, a desigualdade persistente pode contribuir para a perda de poder do Partido Comunista. Não há desenvolvimento econômico fácil, e o caminho para uma sociedade justa é recheado de obstáculos.