Análise

Desenvolvimento e lições para o Brasil

Thomas Peter - 1º.set.2017/Reuters
Xi Jinping, o líder chinês, e o presidente brasileiro, Michel Temer, em Pequim

RODRIGO ZEIDAN
ESPECIAL PARA A FOLHA

Desde a década de 1980, nenhum país grande cresceu mais que a China. De extremamente pobre a segunda economia do mundo, mas ainda recheado de problemas, o país tem trajetória fascinante.

Nos últimos meses, tentei mostrar diferentes dimensões da sociedade chinesa. Vimos como as reformas microeconômicas do fim da década de 1970 e uma globalização controlada, aliados a uma população com elevado nível educacional, foram os principais motores para o crescimento do país.

No Brasil, damos muito valor às estatais e ao câmbio desvalorizado como variáveis relevantes, mas elas não foram fundamentais. Hoje essas empresas são mais um estorvo que qualquer outra coisa, e o câmbio controlado já deixou de ser desvalorizado até antes mesmo de a China capitular a um ataque especulativo ao yuan, iniciado em 2015.

Não é fácil tirar lições do crescimento chinês para o Brasil. Mas podemos resumir as diferenças das trajetórias que permitiram o salto dos dois países, da pobreza para classe média, em algumas dimensões.

A diferença mais importante, hoje, está no fato de a China ser capitalista de verdade, enquanto no Brasil competição é uma palavra quase proibida. Há concorrência até pelos recursos do sistema educacional. As escolas públicas são ranqueadas pelos resultados dos alunos. As melhores ganham mais recursos.

Para conseguir uma matrícula numa boa escola, é preciso morar perto dela. Assim, quando escolas se destacam, famílias mais ricas se mudam para a região, o que garante mais recursos e mais famílias ricas chegando, em um mecanismo de retroalimentação positiva. É mais difícil para escolas em áreas mais pobres, é claro.

O sistema chinês não tem nada de justo, diferentemente daqui, onde a Justiça é garantida pelo fato de todos receberem um serviço horroroso.

O mais importante é que a sociedade chinesa é inovadora. Até o governo não tem medo de tentar novas ideias (desde que não tragam perigo ao controle do Partido Comunista, é claro).

A Prefeitura de Xangai e uma universidade locais são parceiras, e o governo chinês subsidia parte da mensalidade dos alunos locais na NYU Xangai, por exemplo. A ideia é trazer para dentro do país uma das melhores universidades do mundo, para formar jovens chineses com visão global, mas sem que eles precisem sair do país. Mais ainda, metade dos alunos deve vir de fora.

O governo chinês subsidia temporariamente uma universidade estrangeira para investir no país e na formação de ponta no país, com a maioria de professores estrangeiros.

Qual a probabilidade de uma inovação como essa, com vistas a abertura intelectual e integração com o mundo, no Brasil, com a bênção do MEC? Bem, não existe probabilidade negativa, pois, se houvesse, essa seria a probabilidade no caso brasileiro.

Até burocratas competem entre si, para o bem e para o mal. Se não entregarem baixo desemprego e alto crescimento (além da estabilidade política e social), não sobem na estrutura do partidão. Mesmo no sistema financeiro, como já vimos em colunas anteriores, novas empresas privadas podem concorrer e roubar mercado dos bancos estatais.

O que a China tem a ensinar ao Brasil é abraçar a modernidade. Não só uma globalização controlada mas um olhar e integração de verdade ao mundo. Esse processo, no caso chinês, vem com características locais, é claro, mas a abertura a novas ideias e à concorrência empresarial e até burocrática permite à sociedade evoluir.

Aqui, estamos presos no passado. O mundo se move para retirar privilégios e não permitir que elites destruam bem-estar social. No Brasil, em que se plantando tudo dá, as jabuticabas não param de se reproduzir. Juízes e desembargadores ganham dezenas de vezes mais que um trabalhador médio e acham que está certo. Pessoas podem se aposentar com menos de 60 em um mundo no qual a população só fica mais velha.

Combinamos o pior do capitalismo de compadres com a complacência social, onde nada é nossa culpa e qualquer crise é sempre culpa do outro; as crises nacionais sempre são culpa do estrangeiro (FMI, imperialismo americano, crise financeira e recessão mundial), e no nível individual um brasileiro que anda acima do limite de velocidade e é multado coloca a culpa no pardal, um objeto inanimado e que cumpre sua função com regras claras.

Mais ainda, as elites locais na China não extraem tantos recursos quanto as brasileiras. Funcionários de estatais, donos de cartório, juízes e até professores de universidades federais não ganham 10, 20 ou 50 vezes o que um trabalhador mediano recebe no setor privado.

A China é recheada de paradoxos, da dicotomia autocracia/capitalismo até como o Partido Comunista coloca liberdade como característica fundamental do sonho socialista. Verdadeiro desenvolvimento econômico é difícil, recheado de dezenas de ações, reformas e mudanças institucionais. E integração ao mundo. Lá, como aqui, o que se aprende é que, para toda questão complexa, há sempre uma solução simples. E errada.