Análise

Competição amplia crédito

Stringer/Reuters
Homem participa de competição para pegar cédulas de 100 yuan durante o Festival de Primavera, na China

RODRIGO ZEIDAN
ESPECIAL PARA A FOLHA

Enquanto no Brasil limitamos a criação de crédito por meio de diversos mecanismos de direcionamento de crédito e tentamos, sem sucesso, fazer com que os bancos estatais fossem o motor do desenvolvimento, a China usa uma estratégia completamente oposta.

Há muitos bancos estatais, mas a competição realmente existe e o país permite inovações, fintechs, e têm um sistema regulatório mais flexível. Não há dúvidas de que a relação crédito/PIB do país, de mais de 200% do PIB, assusta, mas também está claro que sem o crescimento do crédito o país não teria conseguido dar o enorme salto de desenvolvimento nos últimos 30 anos.

Aqui preferimos direcionar crédito por meio de Banco do Brasil, Caixa e BNDES, inclusive promovendo a consolidação do setor bancário, com os já grandes bancos incorporando os que saem do país.

Desestimulamos a competição em nome de uma estabilidade do sistema financeiro. Isso podia fazer sentido logo após o Proer, na década de 1990. Mas com certeza não faz mais, e as medonhas políticas de direcionamento de crédito da Nova Matriz Econômica do governo Dilma tiveram parcela importante na nossa crise recente.

No final, resta a lição: por mais comunista que seja a China no papel, é a competição entre bancos estatais, instituições privadas e o setor de shadow banking que faz com que o país consiga financiar seu desenvolvimento.

Mas o que seria esse setor de shadow banking, cujo termo à primeira vista parece significar algo escuso, ilegal ou perigoso? Na verdade, o termo está relacionado à criação de crédito que não vem diretamente de bancos comerciais tradicionais. Assim, todo crédito gerado por instituições financeiras que não são bancos comerciais é, em princípio, classificado como shadow banking.

Dois exemplos são Alipay e WeChat, esse último a versão chinesa do WhatsApp. Em ambos os aplicativos é possível emprestar, transferir e receber recursos de pessoas e empresas. Por exemplo, eu uso o Alipay para fazer todos os meus pagamentos on-line e também para emprestar ou receber dinheiro de colegas quando é necessário.

Cooperativas de crédito, crowfunding, peer-to-peer lending e parte do sistema interbancário usado por grandes empresas fazem parte do setor de shadow banking.

Grande parte do crescimento do crédito, fundamental para financiar as empresas, as pessoas e o governo, veio do setor de shadow banking, que sozinho tem o mesmo peso, como proporção do PIB, que todo o crédito bancário no Brasil. Ou seja, na China hoje o crédito representa 210% do PIB, com cerca de 150% oferecido por bancos comerciais e o resto pelo resto do setor financeiro e não financeiro.

Essa diversificação torna o sistema mais robusto, por um lado, mas mais difícil de ser regulado, por outro. Também torna o sistema financeiro mais suscetível à disrupção. Assim como no Brasil, grande parte da população não tem contas em bancos comerciais.

Jack Ma, fundador do Alibaba, explicou o movimento da empresa para intensificar o uso do Alipay como meio de pagamento e intermediação de empréstimos: em 2013, ele afirmou que a regulação do sistema financeiro era excessiva e que o setor bancário tradicional deixava 80% da população descoberta.

Hoje, a sua empresa usa mecanismos de inteligência artificial e machine learning para diferenciar os bons dos maus clientes e criar crédito em uma escala sem precedentes: dos seus 450 milhões de clientes, 12 milhões pegaram empréstimos em 2016, em um total de mais de US$ 40 bilhões, no primeiro ano em que a empresa realmente liberou sua plataforma para criar crédito para indivíduos, além de microempresas.

Não há benefício social sem concorrência. O shadow banking, em vez de assustar, permite a diversas empresas causar disrupção no sistema financeiro e alavancar crédito para centenas de milhões de chineses.

Marca dessa competição está no exemplo de Dong Weibao, presidente do banco Minsheng, um dos maiores do país, que afirmou em público que o Alipay e outras empresas do gênero não iriam tomar o lugar do seu banco.

Enquanto isso, no Brasil estamos presos no modelo regulatório pesado, no qual o Banco Central quer trazer para dentro da sua regulação qualquer tentativa de agilizar crédito no país. Está na hora de repensarmos nosso modelo, embora isso não queira dizer que devamos liberar shadow banking no Brasil.