Análise

Capitalismo de compadre na China

Recepcionistas preparam chá para cerimônia de abertura de conferência no Grande Salão do Povo, em Pequim Jason Lee/Reuters
Recepcionistas preparam chá para cerimônia de abertura de conferência no Grande Salão do Povo, em Pequim

RODRIGO ZEIDAN
ESPECIAL PARA A FOLHA

Sei que é difícil de imaginar, mas a corrupção na China é muito, mas muito maior que no Brasil. Ainda assim, o país cresce de 6% a 14% ao ano pelo menos desde a década de 1980.

Dois exemplos de corrupção do dia a dia: quando dava aula na Universidade de Nottingham em Ningbo, o funcionário encarregado das instalações esportivas queria me cobrar uma propina para acender as luzes da quadra de tênis; em outro caso, para que um empresário local, irmão de um professor da universidade, tivesse permissão para construir um prédio ele precisou comprar carros novos para o corpo de bombeiros.

Assim como no Brasil, a relação de corrupção é extremamente forte entre o sistema político e empresarial. O nosso capitalismo de compadre não é muito diferente na China.

Mas por que então a China é bem sucedida e aqui estamos parados no tempo? Na verdade, tanto a China quanto o Brasil têm um teto ao seu desenvolvimento, o que os economistas chamam de armadilha da classe média. Países corruptos conseguem sair da pobreza, mas não conseguem dar o salto seguinte.

Corrupção diminui o PIB potencial e os países empacam. Podemos ver isso ao analisarmos a relação entre a percepção de corrupção, índice da Transparência Internacional no qual 100 representa um país completamente livre de corrupção e 0 um país absolutamente corrupto, e a renda per capita. Há claramente uma correlação estrutural: países mais corruptos simplesmente são mais pobres.

Para realmente se desenvolver, países devem combater a corrupção. É por isso que os casos chineses e brasileiros são tão interessantes. Em ambos os países os casos de corrupção estão nas primeiras páginas de jornais há alguns anos.

No caso chinês, o premier Xi Jinping, que assumiu o comando do sistema político do país em dezembro de 2012, colocou como um dos pilares da sua administração o combate à corrupção. Para isso, iniciou uma gigantesca campanha para reformar as instituições do Estado, que continua até hoje e não tem data para acabar.

O consumo de produtos de luxo no país desabou, inclusive com queda das ações de cassinos em Macau e empresas de luxo do Ocidente, resultado do medo dos burocratas chineses de serem alvos das novas medidas de moralidade.

Mas resta uma grande dúvida. Essa campanha é para valer ou só parte da estratégia de Xi Jinping para consolidar seu poder?

Com certeza a sua campanha anti-corrupção teve algum efeito prático. Mais de 100 mil burocratas foram punidos, seja com sanções administrativas ou prisão. Mas à reboque também vieram alguns inimigos políticos do presidente.

O caso mais famoso é o de Zhou Yongkang, ex-membro do Politburo, composto pelos nove políticos mais importantes do país. Ele foi expulso do Partido Comunista Chinês (PCC) em 2014 e condenado à prisão perpétua por corrupção em 2015. Bens da sua família no valor de US$ 15 bilhões foram bloqueados e, em 2016, sua mulher e filho também foram presos.

Em mais uma semelhança com o Brasil, diversos executivos da Petrochina ou dos reguladores do setor de petróleo chinês, como Zhou Bin, Li Hualin e Jiang Jemin, todos da rede de Zhou, também foram presos com provas de enriquecimento ilícito.

Prisões de medalhões não se resumiram à rede de Zhou. Outro membro do Politburo e o segundo em comando na hierarquia militar, Xu Caihou, também foi preso, acusado de receber propina em troca de facilitar promoções dentro do serviço público.

Alguns analistas acreditam que a campanha moralista tem como efeito apenas remover oponentes políticos para permitir que Xi Jinping se mantenha no poder por mais um mandato, algo que não acontece desde Mao Tsé-Tung e que seria irregular, dadas as regras do PCC.

Combater a corrupção, por si só, não vai trazer crescimento econômico de curto prazo. Ao contrário, como mostram os casos brasileiro e chinês, ao mudarmos as formas de negociação entre agentes públicos e privados o nível de investimento cai, no curto prazo, o que ajuda a explicar os dados de crescimento brasileiro em 2015 e em 2016 e parte da diminuição do crescimento chinês.

Contudo, uma mudança institucional pode representar, se somadas a outras reformas que fortaleçam os pilares institucionais, um aumento no crescimento potencial nas próximas décadas, o que levaria a uma porta de saída da armadilha de classe média no qual se encontram diversos países, entre eles os grandes países emergentes como Rússia, Brasil, Turquia e, claro, a China.