Análise

Ataque especulativo e yuan global

Wu Hong - 12.ago.2015/Efe
BC chinês escolheu manter o câmbio fixo após ataque contra o yuan ao custo de reforçar controles de capital

RODRIGO ZEIDAN
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em 2015, a China sofreu um ataque especulativo contra sua moeda.

E cedeu.

Em um dilema, a escolha é entre duas alternativas excludentes. Em economia internacional, temos o conceito de trilema: nesse caso, um país pode escolher duas, e somente duas, alternativas entre: liberdade de fluxo de capitais, câmbio fixo e autonomia de política monetária.

O Brasil, por exemplo, tem movimento livre de capital e um Banco Central que determina a taxa de juros no país. Já tivemos controle de capitais no passado, mas desde meados da década de 1990 é possível para qualquer pessoa, física e jurídica, tirar ou trazer dinheiro para o país.

Na verdade, a razão pela qual o governo brasileiro foi obrigado a deixar o câmbio flutuar, em 1999, foi porque tentamos ir contra as restrições do trilema; em um ponto chegamos a ter uma Selic de mais de 45% para tentar atrair capital estrangeiro.

O caso chinês guarda semelhanças com o do Brasil na década de 1990. Depois de ter um câmbio fixo desvalorizado até 2014, a desaceleração no crescimento econômico chinês fez com se revertesse o sistema cambial, de um câmbio desvalorizado que estimulava as importações para um yuan valorizado artificialmente. Ao fim de 2014, passou a sair mais moeda do país do que entrava na China, algo que não acontecia havia 30 anos.

A diferença é que lá, diferentemente do câmbio valorizado brasileiro da década de 1990, o país escolheu ter autonomia de política monetária e câmbio fixo. Portanto, o país ainda tem controle de capitais.

Por exemplo, qualquer cidadão chinês só pode tirar do país US$ 50 mil por ano. Empresas estrangeiras, até 2014, tinham que ter um parceiro local como sócio, com limites ao que podiam remeter de volta para o exterior em termos de lucros e dividendos. Ainda hoje, é muito difícil abrir uma filial totalmente estrangeira para operar na China.

Até 2015, o banco central chinês estava relaxando esses controles de remessas ao exterior. As autoridades chinesas achavam que iam poder ignorar o trilema por terem acumulado US$ 4 trilhões de reservas em moeda estrangeira. Ou seja, achavam impossível que os agentes econômicos chineses e do resto do mundo tentassem especular contra o câmbio fixo chinês, porque teriam bala na agulha para manter o sistema pelo tempo que fosse necessário. Afinal, US$ 4 trilhões são uma montanha de dinheiro, certo?

Não, o Banco do Povo da China (o nome oficial do banco central) estava errado.

De 1995 a 2005, o yuan tinha um valor completamente fixo em relação ao dólar a uma taxa de 8,3. De 2006 a 2014, o governo chinês estava controlando o câmbio para que o yuan se valorizasse, de forma a arrefecer um pouco o crescimento econômico e controlar pressões inflacionárias. Mas, de janeiro de 2015 a janeiro de 2017, a China perdeu mais de US$ 1 trilhão de reservas. O dia 11 de agosto de 2015 marcou a primeira capitulação do banco central, que deixou o yuan se desvalorizar em 2% no dia, de forma inesperada. Naquele mês, já havia saído quase US$ 100 bilhões da economia chinesa. O yuan, que estava se valorizando lentamente, passou a se desvalorizar, ainda que de forma controlada pela autoridade monetária chinesa.

Desde então, para continuar mantendo controle sobre a taxa de câmbio e impedir a deterioração das suas reservas, o banco do povo endureceu os controles de capitais (para um professor estrangeiro, a burocracia ruim se tornou quase insuportável) sobre saída de moeda do país. Hoje, o governo se rendeu ao trilema e aprendeu que restrições econômicas não podem ser simplesmente ignoradas. Escolheu manter o câmbio fixo ao custo de reforçar os controles de fluxos de capital.

O objetivo de longo prazo do governo chinês é internacionalizar o yuan, abrir a conta de capitais e ter um câmbio flexível, o mesmo modelo atual do Brasil. Embora em 2016 o yuan tenha se tornado uma das cinco moedas de reserva do FMI, ainda hoje não é totalmente conversível. Ou seja, agentes não podem comprar e vender a moeda livremente na China e no mundo, reflexo do controle de capitais do país.

O ataque especulativo de 2015-16 mostrou que o banco central chinês não vai poder escolher, sem obstáculos, toda a trilha para chegar a um sistema cambial integrado ao resto do mundo.