CAPÍTULO 3

Maior cidade na rota da lama tem filas de até 2 horas por água potável

Governador Valadares (MG), cortada pelo rio Doce; cidade tem a maior população urbana na rota da lama Avener Prado/Folhapress
RIO DE LAMA Governador Valadares (MG), cidade com 278 mil habitantes cortada pelo rio Doce

LUCAS FERRAZ
AVENER PRADO

ENVIADOS ESPECIAIS A RIO DOCE E GOVERNADOR VALADARES (MG)

Três dias depois de entrar na formação do rio, a lama proveniente da barragem de Fundão atingiu a maior população urbana dependente das águas do Doce.

Com quase 300 mil habitantes, Governador Valadares, a 330 km do epicentro da tragédia em Mariana, praticamente entrou em colapso.

O fornecimento de água foi suspenso, detonando a crise hídrica que já ameaçava a cidade devido às poucas chuvas e ao asfixiamento do rio Doce.

Foram nove dias sem água, o que gerou brigas em filas de distribuição –uma delas terminou em tiros para o alto–, extorsões de comerciantes que aumentaram o valor da água em mais de 100% e até saques em caminhões que levavam água mineral para um supermercado. O Exército foi para as ruas na crise.

Com a ajuda da Samarco, presidida por Ricardo Vescovi, e de técnicos de órgãos estaduais, a prefeitura de Governador Valadares voltou a bombear água do rio Doce, ainda imunda pelos rejeitos, para abastecer a população.

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Distribuição de água mineral em Governador Valadares (MG), na última semana de novembro
Distribuição de água mineral em Governador Valadares (MG), na última semana de novembro

O atual índice de turbidez (2.200), medido pela Agência Nacional de Águas na medida NTU, nem se compara com o da chegada da lama (300.000), em 9 de novembro, mas é consideravelmente maior do que nível médio local (300), segundo Mário Nunes, gerente de produção do tratamento da água do Saae (Serviço Autônomo de Água e Esgoto).

Por causa dos produtos utilizados, entre eles o polímero de acácia-negra, a água do município tem apresentado forte cheiro.

O pintor Gilmar Vieira, 54, enfrentava fila no último domingo do mês no centro da cidade para levar à mãe, doente, um galão de 20 litros de água mineral. "Ninguém confia na água distribuída. Se eu já não confiava antes, imagina agora, com toda essa lama", dizia.

A prefeitura, amparada em análises que atestaram a baixa presença de metais pesados, diz que a qualidade é boa e não traz risco à saúde.

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Unidade de tratamento de água do rio Doce, que carregou a lama até Governador Valadares
Unidade de tratamento de água do rio Doce, que carregou a lama até Governador Valadares

Laudo encomendado pelo Ministério Público de Minas Gerais mostra que a água tratada pelo Saae está dentro dos padrões exigidos pelo Ministério da Saúde para metais pesados.

Sob esse argumento, o secretário de Educação do município chegou a impor às crianças, nas escolas públicas, a água do bebedouro, proibindo o consumo da mineral.

Sua intenção foi questionada pelo Ministério Público, que liberou os pais de providenciarem garrafas de água mineral para os filhos, item que se tornou indispensável nas mochilas.

A população, sobretudo a de baixa renda, se irrita com filas que podem durar duas horas e invariavelmente são formadas sob forte sol. A sensação térmica chega a 40 graus.

No último fim de semana de novembro, quando a reportagem da Folha esteve na cidade, a empresa municipal de água informou que "70% ou 80%" da população já estava abastecida.

Nos bairros altos de Governador Valadares, onde mora a cozinheira Maria das Graças Silva, 60, dona de um bar, o abastecimento ainda está irregular. "A água chega de manhã e acaba no final do dia", conta.

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Caminhões carregados de água na sede da Vale em Governador Valadares (MG)
Caminhões carregados de água na sede da Vale em Governador Valadares (MG)

O corte no abastecimento afetou dezenas de cidades que utilizam o rio Doce, como é o caso de Colatina, no Espírito Santo, que vive situação semelhante a de Governador Valadares.

Além do barro visível no rio que corta a cidade, relatos de vizinhos ou conhecidos que teriam sofrido diarreia ou irritação na pele devido a água barrenta deixam a população ainda mais apreensiva.

As filas ainda não cessaram. Responsável por uma delas, o pastor Flamarion Rolando, 41, montou uma grande rede de distribuição com doações recebidas de igrejas de outros Estados. Nessas distribuições de galões de 20 litros de água, um caminhão fornido chega a ser descarregado em 13 minutos.

"Por que a Samarco ou a prefeitura não entregam a água na casa das pessoas? Todos temos uma conta de água. Os responsáveis deveriam proceder assim", afirma o pastor, que garantiu não ter recebido –ainda– o "chamamento do Senhor" para entrar na política.

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Unidade de tratamento de água em Governador Valadares (MG)
Unidade de tratamento de água em Governador Valadares (MG)

A mineradora informou que, até 28 de novembro, havia fornecido para Governador Valadares mais de 43 milhões de litros de água potável e mais de 5 milhões de litros de água mineral.

Sobre a distribuição da água, a Samarco diz que a responsabilidade é da Defesa Civil Estadual. Questionada, a gestão do governador Fernando Pimentel (PT) atribuiu a responsabilidade à Defesa Civil Municipal.

Procurada, a prefeitura de Governador Valadares não se manifestou.