CAPÍTULO 2

Governo federal tem presença tímida em áreas no epicentro da tragédia

Destruição Bento Rodrigues Avener Prado/Folhapress

LUCAS FERRAZ
AVENER PRADO

ENVIADOS ESPECIAIS A MARIANA E BARRA LONGA (MG)

Ainda imerso em lama e caos, o epicentro do desastre ambiental em Minas Gerais tem mais voluntários de igrejas e universidades dando auxílio aos atingidos do que agentes de instituições do governo federal.

Passadas três semanas do rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Samarco, em Mariana, é tímida a presença federal nos locais mais afetados da tragédia, como os distritos de Bento Rodrigues, o primeiro alvo da avalanche, e Paracatu de Baixo, para onde segue o rio Gualaxo do Norte, caminho tomado pela lama.

Bombeiros, policiais e agentes das defesas civis estadual e municipal estão na região, mas quase sempre utilizando as instalações e estrutura da Samarco, inclusive carros para transporte. Um centro de controle foi montado dentro do complexo da empresa em Mariana.

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Carro que foi parar em cima de construção após tragédia no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG)
Carro que foi parar em cima de construção após tragédia no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG)

Embora tenha anunciado ajuda financeira aos atingidos e considerado o episódio como um dos maiores acidentes ambientais da história do país, o governo Dilma Rousseff (PT) ainda não mobilizou os órgãos federais para auxiliar os milhares de atingidos.

Durante três dias na região, o único sinal da presença federal vista pela reportagem foram dois carros do Ibama que circulavam por uma estrada de Mariana.

Bombeiros e agentes envolvidos no pós-desastre reclamam da ausência da União.

"O governo federal não estava presente nem antes do desastre, nem durante, nem depois", afirmou à Folha Guilherme Meneghin, promotor de Justiça da cidade.

"Uma ministra veio, algum senador aparece, mas nenhum órgão federal, até o momento, procurou os atingidos ou as organizações que os representam. Vai demorar muito para se resolver isso", ressaltou.

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Campo de futebol em Paracatu de Baixo (MG), afundado após rompimento de barragem
Campo de futebol em Paracatu de Baixo (MG), soterrado após rompimento de barragem

O governo federal alega que está acompanhando de perto a tragédia por meio de diferentes instituições. Na sexta (27), a Presidência anunciou que União e os Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo entrarão com uma ação na Justiça para cobrar da Samarco, presidida por Ricardo Vescovi, e de suas controladoras, a brasileira Vale e a anglo-australiana BHP Billiton R$ 20 bilhões pelos danos causados.

A Vale, cujo presidente é Murilo Ferreira, também armazenava rejeitos na barragem de Fundão, de onde vazou a lama.

A Samarco coordena as ações em praticamente todo epicentro do desastre, chegando em alguns casos a isolar áreas, como Bento Rodrigues, cujo acesso principal ganhou um portão, guardado por policiais militares. O local é considerado área de risco.

Em municípios como Barra Longa (a 60 km da barragem rompida), voluntários ajudam a limpar casas, resgatar animais e dar atendimento psicológico ou religioso às vítimas. Fora eles, os únicos presentes no local na última quinta (26) eram funcionários da mineradora e de empresas terceirizadas que trabalhavam na remoção do barro.

Em alguns locais, um simples trator resolveria o problema da lama que interditou ou destruiu parte de uma estrada vicinal –poucas foram as vias reparadas.

As buscas pelos oito desaparecidos foram encerradas no distrito de Bento Rodrigues, mas continuam em outras localidades, assim como as expedições a casas que ficaram ilhadas e ainda têm moradores que resistem em ir embora.

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Barra Longa (MG), também atingida pela lama
Barra Longa (MG), também atingida pela lama

Segundo a Samarco, 1.265 pessoas que viviam nas áreas afetadas foram levadas para hotéis e pousadas da região, e 39 famílias, até a semana passada, tinham sido alocadas em imóveis alugados pela empresa.

Nem a mineradora sabe exatamente o tamanho da devastação provocada pela lama, que varreu o que encontrou pela frente até chegar à bacia do rio Doce, na cidade homônima, a 91 km de Mariana.

"Não queria sair daqui, mas ficamos pressionados", conta o agricultor José Horta Ramos Gonçalves, 50, morador de Paracatu de Baixo (subdistrito a 40 km do centro de Mariana). Após 21 dias vivendo no meio da devastação, ele assentiu em deixar o povoado onde nasceu.

No dia do desastre, conta, um helicóptero do Corpo de Bombeiros desceu em Paracatu para avisar os moradores que todos deveriam abandonar suas casas porque descia pelo rio Gualaxo do Norte uma avalanche de lama muito forte.

"Tive duas horas para reunir tudo o que tinha e subir para o cemitério, a parte mais alta da cidade", relembra José. Ele perdeu a casa onde vivia com a mãe e um irmão, que estão salvos e hospedados em um hotel.

Na última semana, a reportagem da Folha o encontrou só, na casa abandonada de um segundo irmão, que não foi danificada. Ele negociava com um representante da Samarco e agentes da prefeitura de Mariana e da Defesa Civil.

O funcionário da mineradora pediu perdão pelo desastre. Após muita resistência, José cedeu e decidiu se juntar aos familiares no hotel. Sua maior agonia, disse, era pensar no destino de seus porcos, cachorros e galinhas.

OUTRO LADO

O Palácio do Planalto afirmou por meio de nota que está presente nas regiões afetadas pelo desastre desde o dia 5 de novembro, colocando-se à disposição dos governadores de Minas Gerais e do Espírito Santo.

O governo afirma que atuou nas buscas por desaparecidos com homens da Defesa Civil Nacional e das Forças Armadas. E que militares do Exército atuaram inicialmente em Mariana, indo depois para outros municípios para ajudar no abastecimento de água.

Ainda sobre o auxílio no pós-desastre, o governo afirma que tem dado apoio com a atuação de técnicos do Serviço Geológico Brasileiro, a Agência Nacional de Águas, o DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral) e o Ibama.

Sobre o reparo de estradas danificadas -a reportagem encontrou trechos destruídos e outros interditados, onde um trator poderia resolver os bloqueios-, a Samarco informou que começou a trabalhar na reabertura das vias no dia seguinte ao do desastre.

A empresa afirma que vai reparar as nove pontes danificadas até 30 de dezembro e que 15 dias antes dessa data liberará todas as estradas vicinais para tráfego.

O Ibama enviou uma lista com os nomes dos servidores que participaram do trabalho de campo após o desastre, do dia 6 até 27 de novembro.

Foram 37 funcionários, que atuaram em cidades de Minas e do Espírito Santo, além, diz a nota, daqueles na sede do instituto em Brasília e nas superintendências de Belo Horizonte e Vitória.