RELIGIÃO

Igrejas fazem cultos em inglês, francês e crioulo para estrangeiros

LEANDRO MACHADO
AVENER PRADO

DE SÃO PAULO

Um batuque de africanos é ouvido na avenida Nordestina. As vozes graves e ritmadas cantam hinos em inglês e em igbo, um dos 250 dialetos da Nigéria. É manhã fria de domingo em Guaianases, mas o culto evangélico esquenta os corpos de quase 90 nigerianos. Parece uma grande festa.

Mais cedo, o pastor nigeriano Richmond Chukwemeka, 39, chega de carro à igreja. Veste uma roupa azul clara e um gorro marrom. Seus ajudantes, todos com ternos bem alinhados, arrumam 90 cadeiras no pequeno salão. Algumas ficam do lado de fora, na calçada.

"Você vai ver como vai lotar", diz o pastor, que chegou ao Brasil há 16 anos.

Há um ano, Richmond mudou com a família para Guaianases (zona leste de São Paulo) e montou a igreja Glorious Destiny Assembly. Ela é voltada aos africanos do bairro –cada dia mais cheio de imigrantes. Todo domingo, os africanos lotam o espaço até não caber mais.

A chegada principalmente de nigerianos e haitianos movimentou também as igrejas evangélicas do distrito da periferia. Congregações tocadas por eles começam a se erguer em alguns pontos.

Outras igrejas, comandadas por brasileiros, estão se adaptando e já fazem cerimônias totalmente em inglês, francês e crioulo.

Pelas ruas, testemunhas de Jeová tentam arrebanhar imigrantes falando a língua deles. Folhetos e livros com mensagens bíblicas agora vêm em inglês e francês.

"Nós percebemos que Guaianases tem cada vez mais estrangeiros. Para recebê-los, resolvemos criar uma congregação em que todos falam inglês, outra em crioulo e francês", explica Ronaldo Agostinho, da Congregação Inglesa Leste.

"Nossa obra tem o objetivo de ajudar os imigrantes em sentido espiritual", diz.

Em um culto numa noite chuvosa deste mês, o inglês predominou. Parte da cerimônia, que estava cheia de brasileiros e africanos, foi comandada por dois nigerianos. Durante a cerimônia, famílias africanas opinavam e discutiam com brasileiros passagens da Bíblia.

Avener Prado/Folhapress
Beatriz Chisoba, 9, brasileira filha de nigerianos, ganhou festa de aniversário durante culto em igreja de africanos
Beatriz Chisoba, 9, brasileira filha de nigerianos, ganhou festa de aniversário durante culto em igreja de africanos

ÊXTASE

"O principal problema de quem está chegando a São Paulo é moradia. Em Guaianases é mais barato", diz o pastor Richmond Chukwemeka, em seu pequeno templo na avenida Nordestina. "Nós, da igreja, tentamos sempre ajudar os novos", completa.

No domingo, os fiéis chegam bem vestidos. As mulheres, com vestidos coloridos. Os homens, de terno, camisas floridas –à la Nelson Mandela– e óculos escuros.

Uma mesa foi decorada com temas infantis para comemorar o aniversário de Beatriz Chisoba, 9, brasileira filha de nigerianos.

O pastor Richmond discursa aos fiéis sobre a "importância da palavra de Deus". "God is a good news", é seu mantra. Os fiéis respondem levantando as mãos.

Seu filho Brian –fruto do casamento com uma brasileira– começa então a tocar bateria. Vem uma sessão de quase 40 minutos de música africana gospel. Sem parar.

Os 90 africanos dançam e parecem em êxtase absoluto, alguns no meio da calçada. A batida suingada se mistura às vozes negras que cantam no dialeto igbo. É difícil ficar parado. Brasileiros que passam na avenida olham, desconfiados.

Naquele salão, um pequeno pedaço da África. Ao final da jam session, a musiquinha de um caminhão de gás invade a igreja. Ela lembra que todos estão na periferia de São Paulo.