COMÉRCIO

Comércio imigrante transforma avenida Nordestina em via nigeriana

The Tallest, cybercafé em Guaianases Avener Prado/Folhapress

LEANDRO MACHADO
AVENER PRADO

DE SÃO PAULO

Na fachada azul e vermelha no meio de Guaianases, está escrito tudo em inglês: Tallest Cyber Café - Internet Browsing and International Call Center. Do lado de dentro, um cartaz dá instrução de como manusear a porta: "Take easy and close".

Na LAN house do nigeriano Victor Chukwuebulka, 31, a poucos metros da estação de trem, fala-se quase tudo em inglês. Ele chegou ao Brasil há sete anos e, por muito tempo, trabalhou na construção civil.

Foi um pioneiro no empreendedorismo imigrante de Guaianases, que agora tem restaurante, bares e salão de cabeleireiro.

O comércio serve como refúgio e ponto de encontro dos estrangeiros. É de lá que saem para jogar futebol, para a igreja. É onde se encontram depois do expediente.

Victor montou o Tallest (mais alto, em inglês) em um pequeno imóvel de Guaianases há um ano e meio, depois de anos trabalhando na construção civil. Ali disponibiliza 14 computadores e seis telefones que fazem ligações para o exterior.

Inicialmente, tinha como alvo o público da Copa. O bairro é vizinho a Itaquera, onde ocorreram jogos do Mundial, inclusive a abertura.

Victor acreditava que Guaianases receberia um grande número de turistas por causa do evento. A surpresa veio depois, com a chegada em massa de haitianos. Seu comércio bombou.

O fluxo é grande, principalmente à noite, quando estrangeiros que trabalham em outros pontos da cidade chegam nos trens lotados.

COMUNICAÇÃO

Dentro da loja, Victor conversa em inglês ou no dialeto igbo com seus conterrâneos. Até que entra algum haitiano, falando crioulo e francês. O comerciante Victor, então, se vê obrigado a arranhar o português, único idioma comum aos dois grupos de imigrantes do bairro.

Aí vem a dificuldade. Muitos haitianos, principalmente os recém chegados ao país, ainda falam muito pouco o português.

Numa noite de setembro, o comerciante tentava explicar a um deles que a conta de uma ligação internacional era de R$ 18. O cliente só tinha R$ 11.

A negociação, enrolada por causa das dificuldades com o idioma, se arrastou por cinco minutos. Mas Victor tem paciência. É por causa principalmente dos haitianos que sua LAN house cresceu.

Avener Prado/Folhapress
O cabeleireiro nigeriano Jeff
O cabeleireiro nigeriano Jeff "Hair Cut", como prefere ser chamado, em seu salão na avenida Nordestina, em Guaianases

CHAMADAS TELEFÔNICAS

Ao lado do caixa, um cartaz mostra o preço do minuto da ligação para vários países. Para o Haiti custa R$ 1,10. Gâmbia, R$ 1,60. Togo, R$ 1. E assim vai.

Victor explica que os imigrantes têm parentes e amigos em vários países. Por isso, precisou diversificar o rol de destinos das ligações.

"Eu mesmo tenho parentes no Estados Unidos, no Canadá, na Inglaterra", conta o nigeriano, vestindo uma blusa do São Paulo, time que adotou quando chegou ao Brasil.

As chamadas dos haitianos duram poucos minutos. Eles parecem ter pouco dinheiro ou preferem economizar.

'HAIR CUT'

Perto dali, a avenida Nordestina –nomeada assim em homenagem aos retirantes que povoaram o bairro no século 20– é hoje a via dos nigerianos. Ali, os africanos comandam restaurante, bar, igrejas e um cabeleireiro.

No salão, Jeff "Hair Cut", como prefere ser chamado, recebe amigos para o corte que custa R$ 20. O movimento cresce no sábado, um dia antes de um culto evangélico de nigerianos.

Jeff chegou há três meses a São Paulo. Montou a lojinha com apoio do pastor Richmond Chukwemeka, 39, que também tem um negócio de ligações internacionais.

Alguns metros acima, na mesma avenida, os africanos costumam almoçar em um bar comandado por um nigeriano. A comida é típica, mas, aos sábados, tem forró ao vivo.

Avener Prado/Folhapress
Imigrante senegalês Abdoul Barro, 30, vende fones e equipamentos eletrônicos próximo à estação Guaianases
Imigrante senegalês Abdoul Barro, 30, vende fones e equipamentos eletrônicos próximo à estação Guaianases

FONE COM MICROFONE

São 18h, e a estação de Guaianases ferve de gente. Os trens desembarcam lotados. Do lado de fora, uma multidão forma filas no ponto dos ônibus. Um homem negro se destaca pela alta estatura. Segura um rolo de fones de celular e um pau de selfie.

É o senegalês Abdoul Barro, 30. Ele grita bem rápido: "Fone, fone com microfone. Fone, fone com microfone".

Recém-chegado ao Brasil, fala pouquíssimo português. Só sabe bem uma coisa: "Fone, fone com microfone".

Abdoul Barro vive no centro. Vai para Guaianases apenas para tentar vender suas bugigangas. "Aqui é tranquilo, aqui não tem... não tem...". Fiscalização. Como Abdoul, os camelôs rodam livres em Guaianases.