JUIZ DE FORA (MG)

Jovem tocou em igreja e foi pedreiro antes de ser condenado por homicídio

THIAGO AMÂNCIO
AVENER PRADO
ENVIADOS ESPECIAIS A JUIZ DE FORA (MG)

As sete pessoas presentes na plateia do tribunal do júri de Juiz de Fora (MG) se calaram por volta das 22h do último dia 20. Foi quando o juiz assumiu a palavra para anunciar a sentença que decidiria os próximos anos de Bruno Silva Cardoso, 20, acusado de, um ano e meio antes, ter matado outro Bruno, Gaspar Ferreira, à época também aos 20, com um tiro na nuca.

À frente de todos, como ficou a maior parte das quase oito horas de julgamento, a mãe do acusado, com as mãos à boca e os olhos marejados. Atrás, uma tia, o pai, a madrasta e amigas do réu.

Avener Prado/Folhapress
JUIZ DE FORA, MG, BRASIL, 20-11-2017: Paulo Tristão, juiz, lê a sentença de Bruno Silva Cardoso, 20, ajudante de pedreiro, condenado no Tribunal do Júri de Juiz de Fora por matar Bruno Gaspar Ferreira. Em Juiz de Fora, número de assassinatos explodiu na última década. Eram cerca de 30 casos até 2010. Em 2012, foram 67 mortes, desde então, todo ano registra mais de 100 vítimas. Em 2016, foram 135. Só até agosto deste ano foram 87 casos, segundo a secretaria de Defesa Social de MG. Enquanto homicídios diminuem nas capitais, violência cresce em cidades médias do interior do Brasil; série especial da Folha mostra a dinâmica das mortes em diferentes lugares do país. (Foto: Avener Prado/Folhapress, COTIDIANO) Código do Fotógrafo: 20516 ***EXCLUSIVO FOLHA***
Juiz lê a sentença de Bruno Silva Cardoso, 20, ajudante de pedreiro, acusado de matar jovem em Juiz de Fora (MG)

A família ainda lutava para entender como o menino tímido, neto preferido da avó paterna, que tocava teclado e bateria na igreja evangélica, havia se tornado aquele rapaz inquieto sob o olhar atento de dois policiais militares e de sete jurados, vestido com o uniforme vermelho da penitenciária.

O pai, o pedreiro Vander Virgolino Cardoso, 42, ainda mantém a mesma crença de quando a polícia bateu à sua porta em junho do ano passado para prender o jovem: "Não foi ele", repete.

Vander, definido como rígido e linha-dura por uma tia, é o primeiro a defender o filho. Ele levava Bruno para aprender a profissão de pedreiro desde que o menino tinha 11 anos –depois da escola, a criança ia para as obras em que o pai trabalhava para ajudar a varrer e a rejuntar paredes.

Foi natural o menino começar a trabalhar com ele. Até ser preso, ganhava R$ 70 por dia como ajudante de pedreiro. "Pode perguntar em qualquer condomínio aí como o Bruno é, tranquilo demais, não faria isso", diz o pai, apontando para os prédios de alto padrão na vizinhança do Fórum, onde a família trabalhou em reformas, segundo ele.

Avener Prado/Folhapress
JUIZ DE FORA, MG, BRASIL, 20-11-2017: Família do réu chora durante condenação de Bruno Silva Cardoso, 20, ajudante de pedreiro, condenado no Tribunal do Júri de Juiz de Fora por matar Bruno Gaspar Ferreira. Em Juiz de Fora, número de assassinatos explodiu na última década. Eram cerca de 30 casos até 2010. Em 2012, foram 67 mortes, desde então, todo ano registra mais de 100 vítimas. Em 2016, foram 135. Só até agosto deste ano foram 87 casos, segundo a secretaria de Defesa Social de MG. Enquanto homicídios diminuem nas capitais, violência cresce em cidades médias do interior do Brasil; série especial da Folha mostra a dinâmica das mortes em diferentes lugares do país. (Foto: Avener Prado/Folhapress, COTIDIANO) Código do Fotógrafo: 20516 ***EXCLUSIVO FOLHA***
Família do réu chora após ouvir a sentença de Bruno Silva Cardoso, 20, na última segunda-feira (20)

Bruno é filho de mãe empregada doméstica e tem dois irmãos: Tiago, mais novo, ainda na escola e também ajudante de pedreiro, e Vanessa, 22, que quer estudar medicina, mas precisou interromper a escola depois que engravidou –trabalha hoje como atendente de telemarketing.

Tem o mesmo perfil da maioria das vítimas de homicídio na cidade e no país: é jovem, negro e pobre.

Ele só não gostava muito de ir à escola, diz a tia Vanderlúcia Cardoso, 37, que chegou no meio do julgamento porque só conseguiu deixar o trabalho de doméstica às 15h.

Ela pede desculpas pelas mãos oleosas quando cumprimenta a reportagem. Estavam ungidas com um óleo bento, diz, que planejava passar no rosto do sobrinho em uma das vezes que ele foi ao banheiro (em uma área acessível à plateia). Mas os policiais militares disseram que o contato físico não poderia ser feito.

"Mesmo depois que ele começou a se envolver com outras pessoas, sempre foi prestativo, carinhoso, meigo", diz. Foi por volta dos 16 anos que Bruno começou a andar com "pessoas erradas", diz ela.

"Ele tava sempre lá em casa, fazendo churrasco. Aí começou a se distanciar. Parou de passar os finais de semana na casa da minha mãe, onde ele cuidava da horta. E a gente começou a achar estranho".

O problema, diz a tia, é que "lá onde ele mora é que é o foco", se referindo a uma parte do bairro São Benedito que é mais violenta, segundo ela.

Mesmo na parte dita mais tranquila, onde Vanderlúcia vive, é comum ouvir barulho de tiros. "A gente fica deitadinha e coloca a coberta para se proteger", conta.

Com os novos amigos, veio a primeira passagem pela polícia: em junho de 2015, foi pego com duas buchas e um cigarro de maconha, um triturador para a droga, folhas de seda e sacos plásticos, segundo o boletim de ocorrência. O caso foi registrado como tráfico de drogas.

Avener Prado/Folhapress
JUIZ DE FORA, MG, BRASIL, 20-11-2017: Marcelo Ribeiro Nicoliello, defensor público durante defesa de Bruno Silva Cardoso, 20, ajudante de pedreiro, condenado no Tribunal do Júri de Juiz de Fora por matar Bruno Gaspar Ferreira. Em Juiz de Fora, número de assassinatos explodiu na última década. Eram cerca de 30 casos até 2010. Em 2012, foram 67 mortes, desde então, todo ano registra mais de 100 vítimas. Em 2016, foram 135. Só até agosto deste ano foram 87 casos, segundo a secretaria de Defesa Social de MG. Enquanto homicídios diminuem nas capitais, violência cresce em cidades médias do interior do Brasil; série especial da Folha mostra a dinâmica das mortes em diferentes lugares do país. (Foto: Avener Prado/Folhapress, COTIDIANO) Código do Fotógrafo: 20516 ***EXCLUSIVO FOLHA***
O defensor público Luiz Antônio Barroso Rodrigues encena momento do crime para defender Bruno Silva Cardoso, 20

CRIME

Em 28 de maio do ano passado, um corpo deu entrada no IML sem documentação, vestido de moletom preto, blusa de manga comprida azul, bermuda colorida e cueca azul. Tinha 1,74 m, cabelos curtos e crespos, cavanhaque, olhos castanhos, aparelho nos dentes e algumas tatuagens pelo corpo. Tinha ainda dois buracos na cabeça: um na nuca, por onde entrou a bala, e um entre a boca e o nariz, por onde saiu o tiro.

Foi reconhecido por uma mãe e uma tia: era também Bruno, mas Gaspar Ferreira, apelido "Todinho", 20 anos.

Na madrugada anterior, por volta das 2h, ele estava em uma Blazer ano 1995, no banco do passageiro, em direção a uma festa numa escola de samba da cidade.

No banco de trás estavam Bruno Silva Cardoso, aos 19, e outro amigo, Italo Malone, aos 18, cuja ficha policial apresentava passagens por homicídio, roubo a casa lotérica e ameaça, entre outros.

Segundo uma testemunha protegida, Italo teria dito que Todinho "tava de escama", gíria para traição, e "tinha que morrer". Disse ainda que seu irmão não gostava da vítima e que ele fazia "tudo o que o irmão pedia".

Em seu primeiro depoimento, Bruno, acusado, disse que a vítima lhe mostrou uma arma e disse: "Olha como a gente tá indo, não tá indo na mão, não", e lhe entregou o objeto. Em suas mãos, "do nada a arma disparou", disse, atingindo a parte de trás da cabeça de Todinho.

Italo, ao seu lado, relatou que não viu o disparo: na hora do tiro, disse, olhava para a rua para saber se o carro poderia ou não virar.

Quase um mês depois, policiais bateram na casa de Bruno. Quem abriu foi seu pai, Vander. "Meu filho matou um cara? Você é doido?", disse aos agentes.

Um áudio enviado pelo jovem ao motorista do carro dizia que "caguetar não é coisa de homem" e que ele teria que "aguentar as consequências". Italo fez o mesmo.

Vander só foi ver o filho 35 dias depois, no presídio. Ele acredita em sua inocência. É que Bruno mudou sua versão da história de que ocorrera um disparo acidental: negou que segurasse a arma na hora do crime e disse que sabia quem matou, mas, coagido, não podia revelar.

Segundo a Promotoria, é uma estratégia para jogar a responsabilidade a Italo, condenado em março a 13 anos de prisão em regime fechado.

Vander diz que o filho teme retaliação. "Ele está coagido. O pessoal mata mesmo". Em agosto, o pai de Italo foi assassinado.

Avener Prado/Folhapress
JUIZ DE FORA, MG, BRASIL, 20-11-2017: Bruno Silva Cardoso, 20, ajudante de pedreiro, condenado no Tribunal do Júri de Juiz de Fora por matar Bruno Gaspar Ferreira. Em Juiz de Fora, número de assassinatos explodiu na última década. Eram cerca de 30 casos até 2010. Em 2012, foram 67 mortes, desde então, todo ano registra mais de 100 vítimas. Em 2016, foram 135. Só até agosto deste ano foram 87 casos, segundo a secretaria de Defesa Social de MG. Enquanto homicídios diminuem nas capitais, violência cresce em cidades médias do interior do Brasil; série especial da Folha mostra a dinâmica das mortes em diferentes lugares do país. (Foto: Avener Prado/Folhapress, COTIDIANO) Código do Fotógrafo: 20516 ***EXCLUSIVO FOLHA***
O ajudante de pedreiro Bruno Cardoso, acusado de homicídio, aguarda sentença no Tribunal do Júri de Juiz de Fora

SENTENÇA

Por volta das 22h desta segunda (20), o juiz Paulo Tristão leu a sentença: Bruno foi condenado a 16 anos de prisão pela morte de Todinho, além de pagar multa de R$ 5.000 à família da vítima. Ele não poderá recorrer em liberdade.

"Bom que ele pelo menos tá vivo", diz o pai, resignado. "Poderia estar no lugar do outro".