JOINVILLE (SC)

Guerra entre facções faz número de mortes disparar em maior cidade de SC

THIAGO AMÂNCIO
AVENER PRADO
ENVIADOS ESPECIAIS A JOINVILLE (SC)

Passava das 23h daquela quinta-feira, 30 de março, quando uma mulher achou uma sacola em um ponto de ônibus na zona norte de Joinville (SC). Resolveu ver o que tinha dentro dela. Encontrou uma cabeça. De gente.

O vídeo da decapitação de Alan dos Santos, 24, já circulava por celulares da cidade desde as 18h daquele dia. O restante do corpo foi encontrado no dia seguinte, na cidade vizinha de Araquari.

Segundo a polícia, o jovem foi mais uma vítima da guerra entre facções, que, nos últimos anos, levou a uma escalada da violência em Joinville e em toda Santa Catarina.

Avener Prado/Folhapress
JOINVILLE, SC, BRASIL, 27-11-2017: Detentos condenados cumprem pena na penitenciária Industrial de Joinville. Há cerca de 1.600 detentos nas duas principais prisões de Joinville, a Penitenciária Industrial, considerada modelo, onde os internos trabalham e estudam, e o Presídio Regional, onde ficam presos provisórios e que padece dos mesmos problemas de outras unidades em todo o país (superlotação, insubordinação etc.), e que chegou a ser interditado no meio do ano pelas más condições. A direção da penitenciária estima que, do 1.600 internos no complexo prisional, cerca de 160 sejam ligados ao PCC, e 80%, ao PGC. Estão divididos por galerias dominadas pelas facções, que demandam estratégias para não permitir que os dois grupos se encontrem, como a divisão de celas, de banhos de sol e até de turmas escolares. Escalada da violência em Joinville, cidade de 577 mil pessoas no norte de Santa Catarina. O Estado todo passa por uma crescente de violência, mas a situação em Joinville é mais alarmante. Entre 2011 e 2016, o número de mortes violentas (incluindo homicídios dolosos, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte) cresceu 18% em Santa Catarina (de 880 para 1.037). Já em Joinville, maior cidade do Estado, 71 pessoas foram mortas em 2011, segundo a Secretaria de Segurança Pública de SC, contra 131 em 2016 --avanço de 84,5%. O cenário neste ano tende a ser ainda pior: até a última terça (28), foram 127 mortes, de acordo com a Polícia Civil. Enquanto homicídios diminuem nas capitais, violência cresce em cidades médias do interior do Brasil; série especial da Folha mostra a dinâmica das mortes em diferentes lugares do país. (Foto: Avener Prado/Folhapress, COTIDIANO) Código do Fotógrafo: 20516 ***EXCLUSIVO FOLHA***
Detentos ligados à facção criminosa Primeiro Grupo Catarinense tomam banho de sol em presídio de Joinville

De 2011 a 2016, o número de mortes violentas (incluindo homicídios dolosos, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte) cresceu 18% no Estado (de 880 para 1.037).

Mas a situação em Joinville, a maior cidade de SC com 577 mil habitantes, é mais alarmante. Lá, 71 pessoas foram mortas em 2011, segundo a Secretaria de Segurança Pública, contra 131 no ano passado -um avanço de 85%.

O cenário neste ano tende a ser ainda pior: até a última sexta (1º), foram 127 mortes.

Joinville acompanha tendência nacional que especialistas em segurança pública chamam de "interiorização da violência": a onda de assassinatos tem se deslocado das grandes capitais, tradicionalmente violentas em suas periferias, em direção a municípios menores, mas também bastante populosos.

A cidade, rica, de colonização alemã e com IDH considerado muito alto (0,809), tem taxa de 23 mortes violentas para cada 100 mil habitantes, abaixo da média nacional de 29,7, mas muito acima da taxa de 13,6 que registrava em 2011.

FACÇÕES

Foi por volta de 2007 que policiais militares encontraram um formulário de filiação à facção criminosa PCC na até então pacata cidade catarinense. Era o primeiro indício da presença do bando paulista por lá, segundo o sargento Elisandro Lotin, presidente da Associação Nacional de Praças da PM e pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública -ONG formada por especialistas no tema.

Há uma série de motivos para a ida do grupo à cidade: a proximidade com o Paraná (onde o PCC é dominante), a busca de novos mercados consumidores de drogas e, principalmente, a proximidade com diferentes portos, como os de Itapoá, São Francisco do Sul e Itajaí, que podem servir de escoamento de narcóticos para outros países.

Mas o PCC esbarrou em outra facção já disseminada por Santa Catarina, o PGC (Primeiro Grupo Catarinense), majoritária no Estado. O conflito entre os dois grupos é tido como a principal causa do aumento da violência por lá.

A tensão se acirrou ainda mais desde o ano passado, quando facções menores em todo o país, parte delas alinhada ao Comando Vermelho, lançaram uma ofensiva contra a expansão do PCC.

O nome da facção está em pichações em muros no Jardim Paraíso, bairro com mais homicídios em Joinville. Foi naquela região em que a polícia encontrou a cabeça de Alan dos Santos. Segundo as investigações, era uma provocação do PGC à facção paulista -cinco homens, sendo dois adolescentes, foram identificados como autores do crime.

Avener Prado/Folhapress
JOINVILLE, SC, BRASIL, 28-11-2017: PCC, o nome da facção está em pichações em muros no Jardim Paraíso, bairro com mais homicídios em Joinville, na zona norte da cidade. Escalada da violência em Joinville, cidade de 577 mil pessoas no norte de Santa Catarina. O Estado todo passa por uma crescente de violência, mas a situação em Joinville é mais alarmante. Entre 2011 e 2016, o número de mortes violentas (incluindo homicídios dolosos, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte) cresceu 18% em Santa Catarina (de 880 para 1.037). Já em Joinville, maior cidade do Estado, 71 pessoas foram mortas em 2011, segundo a Secretaria de Segurança Pública de SC, contra 131 em 2016 --avanço de 84,5%. O cenário neste ano tende a ser ainda pior: até a última terça (28), foram 127 mortes, de acordo com a Polícia Civil. Enquanto homicídios diminuem nas capitais, violência cresce em cidades médias do interior do Brasil; série especial da Folha mostra a dinâmica das mortes em diferentes lugares do país. (Foto: Avener Prado/Folhapress, COTIDIANO) Código do Fotógrafo: 20516 ***EXCLUSIVO FOLHA***
No bairro Jardim Paraíso, que concentra alto número de homicídios, muros portam pichação a favor do PCC

Um ano antes, outra decapitação chocou a cidade: um adolescente de 16 anos foi morto e degolado a machadadas. O vídeo também circulou na rede e a cabeça foi encontrada na mesma região.

"Em geral, quem mata e quem morre tem relação com facções. E quem não tinha, acaba criando, porque hoje fornecemos isso. Se você pega alguém que furtou um carro no centro e manda para um presídio, inevitavelmente vai ter que entrar numa facção. É a vida dele que corre risco. Estamos formando soldados para o crime", diz Lotin.

PRISÕES

Há um total de 1.600 detentos nas duas principais prisões de Joinville, a Penitenciária Industrial, considerada modelo, onde os internos trabalham e estudam, e o Presídio Regional, onde ficam presos provisórios e que padece dos mesmos problemas de outras unidades do país, como superlotação (866 pessoas e 540 vagas), e que chegou a ser interditado no meio do ano pelas más condições.

A direção da penitenciária estima que, dos 1.600 internos no complexo prisional, cerca de 160 sejam ligados ao PCC -e o restante ao PGC.

Estão divididos por galerias dominadas pelas facções, que demandam estratégias para não permitir que os dois grupos se encontrem, como a divisão de celas, de banhos de sol e até de turmas escolares.

Para o juiz João Marcos Buch, que atua na vara de execuções penais, o massacre que deixou mais de 120 mortos em presídios no Amazonas, Roraima e Rio Grande do Norte pode se repetir ali.

"Nós vivemos um período frágil de calmaria, mas é um caldeirão. Uma hora explode", afirma ele, que diz alertar desde 2013 gestores do sistema prisional de que haveria um aumento da violência.

"Se alguém chega na prisão hoje sem roupa, sem ter onde dormir, com dor, febre, um tiro na perna, o Estado não comparece. Mas o mais velho da cela aparece. Daqui a seis meses, quando sair da prisão, vai por fogo em ônibus. Porque quem aparou está cobrando. E ele faz isso com gosto", exemplifica o juiz.

Ele se refere a uma série de ataques a órgãos públicos e ônibus. A onda de violência também atinge a capital, Florianópolis, que em 2017 registrou 156 assassinatos até 1º de dezembro, ante 91 em todo o ano passado.