Caruaru

Mais um corpo: adolescente encontrado morto sonhava em ser músico

THIAGO AMÂNCIO
AVENER PRADO
ENVIADOS ESPECIAIS A CARUARU

Jadson Guilherme Ferreira da Silva, 16, saiu de sua casa em Caruaru (PE) em direção à vizinha Toritama, num trajeto de 35 km que fez no sábado (11) e que repetia sempre ao longo dos últimos cinco anos para tocar trompete em uma banda do município.

Ele retornou na quarta (15). Não em um ônibus, mas dentro de um caixão, que ficou fechado para que amigos e parentes não vissem de novo as imagens que já haviam circulado pelos celulares: um adolescente espancado, com dois buracos de bala na cabeça.

Ainda não se sabe o que ocorreu com ele entre a tarde de sábado e a noite de segunda (13), quando a polícia descobriu o corpo próximo à BR-104, no distrito de Cachoeira Seca, zona rural de Caruaru.

"Ficamos na esperança de que não era ele, mas reconheci na hora pelo sapato laranja", diz o padrasto Bruno Wagner, 26, pedreiro, sobre o momento em que recebeu a ligação da polícia e encontrou o corpo do adolescente no mato, vestindo apenas short e tênis, sem blusa nem vida.

Jadson é uma das vítimas mais recentes da onda de violência no agreste pernambucano. Adolescente magro, negro, aparelho colorido nos dentes, piercing na língua e sempre de óculos com lente espelhada e boné na cabeça. Ele era "alto, assim como vocês", conta em prantos a auxiliar de costura Jéssica Ferreira, 23, tia do menino.

"Era mais na dele mesmo", segundo o padrasto, "não tinha inimizade com ninguém, não usava droga, nem cigarro fumava. Ninguém sabe o que aconteceu", diz o padrasto, que evita relacionar o menino ao motivo de 78% dos assassinatos em 2016 na cidade: envolvimento com atividades criminais e conflitos na comunidade da vítima.

BRIGA

Uma semana antes do assassinato, Jadson se envolveu numa briga em um bar perto de casa, segundo uma tia. Mas entre a "Família Smith", como se chama o grupo de amigos, era companheiro e brincalhão, dizem os colegas.

Passava as tardes duas ruas abaixo de casa ou numa lan-house (não tinha celular nem computador em casa), onde acessava a rede social em que assinava Jadson Smiith (com dois "is" mesmo).

Não gostava muito de estudar e, nos últimos tempos, frequentava a escola à noite. Queria mesmo era ser músico. Por isso, se dedicava ao trompete na banda instrumental da cidade vizinha.

Mas o sonho não era bem visto pelo avô Aristo, 60, conhecido como seu Galego e que repetia que o menino deveria estudar para não acabar como ele, servente de pedreiro. O avô reclamava ainda que Jadson não ganhava, e sim gastava dinheiro quando viajava para tocar em outras cidades, como Recife e Olinda.

Seu Galego tinha autoridade na cobrança, já que Jadson cresceu com ele (sua mãe "trabalhava para fora", como costureira), na casa com três quartos e pouco mais de 4 metros de largura por 15 metros de comprimento.

Avener Prado/Folhapress
CARUARU, PE, BRASIL, 15-11-2017: Enterro de Jadson Guilherme, 16 anos, no cemitério Parque dos Arcos. Guilherme foi assassinado no último sábado (11/11), seu corpo foi encontrado na segunda (13/11) mas o velório e enterro aconteceu apenas na quarta (15/11). Por causa do avançado estado de decomposição do corpo, o funeral aconteceu de forma improvisada, dentro do carro da funerária na rua em frente a casa onde ele morava com a família. Em Caruaru, número de assassinatos explodiu desde 2014, ano em que a cidade registrou 137 mortes violentas. Neste ano, o número já passa de 240. Enquanto homicídios diminuem nas capitais, violência cresce em cidades médias do interior do Brasil; série especial mostra a dinâmica das mortes em diferentes lugares do país. (Foto: Avener Prado/Folhapress, COTIDIANO) Código do Fotógrafo: 20516 ***EXCLUSIVO FOLHA***
Amigos e familiares de Jadson Guilherme aguardam enterro do adolescente, encontrado morto e Caruaru

A casa, herdada pela mulher de Galego, tem a fachada revestida de azulejos amarronzados ("para evitar de ficar pintando", como a maioria das residências da rua).

Na fachada, uma placa traz o aviso "Vende-se dudu" –a R$ 0,50, essa espécie de sorvete colocado em um saco plástico serve para complementar a renda da família, que perdeu boa parte da clientela desde que três confecções daquele quarteirão fecharam durante a crise.

Mas quando eles se mudaram para lá, há 36 anos, a casa era de taipa, "que naquela época as coisas eram mais difíceis", e a rua, tranquila, sequer dava pistas do movimento que teria atualmente. "Se quisesse podia dormir aqui fora, que ninguém pensava em te assaltar", diz o avô.

Depois de criar ali os 12 filhos, Galego e a mulher acolheram os netos: Jadson e mais três irmãos. As crianças, de 12 a 9 anos, entendem o que aconteceu, "porque não tem mais ninguém besta hoje em dia, os meninos já nascem sabidos", diz o padrasto.

VOLTINHA

Na segunda-feira, a família foi a Toritama em busca de notícias do menino. Não o encontraram. Lá, ouviram que ele pegara uma bicicleta emprestada com uma amiga.

"Diz que ele saiu para dar uma voltinha", nas palavras do padrasto Wagner, e daí para frente ninguém teve mais notícias. "Que voltinha foi essa que custou a vida dele?"

Wagner soube por uma ligação da polícia. Jéssica, quando recebeu pelo WhatsApp fotos do corpo sobrinho. Galego suspeitou quando chegou em casa e viu "aquele chora-chora".

Uma multidão bateu ponto ali até quarta, quando o corpo finalmente foi liberado do IML. "Se ele não fosse boa gente, não tinha tanto menino aqui", diz o avô, em referência às mais de 200 pessoas que esperaram por dois dias a chegada do corpo, debaixo de duas árvores para se protegerem do sol.

Quando chegou, já em avançado estado de decomposição, não houve tempo para velá-lo apropriadamente: de tão forte, o cheiro do corpo era sentido mesmo de fora do carro da funerária. Entre prantos, o grupo rezou, e um colega de banda tocou, no trompete, "Amigos para Sempre".

Um amigo da família, comovido, cedeu um jazigo em um cemitério particular. O enterro também foi feito às pressas. Na saída, funcionários entregaram aos presentes panfletos que anunciavam a promoção: jazigos parcelados em 18 ou 42 vezes.