Introdução

Evolução das técnicas de treinamento levaram a maior longevidade de atletas

DE SÃO PAULO

Citius, altius, fortius. A máxima de que conquistas no apogeu do esporte estão reservadas aos mais rápidos, mais altos e mais fortes sobrevive intacta ao tempo. À tríade se incluía outro fator, que ao longo dos anos ditou a tendência de façanhas competitivas: a juventude.

Ainda que não oficialmente, ela se impunha como decreto. Atletas com mais de 30 anos, na ampla maioria das modalidades do esporte, já eram considerados veteranos ou fora do páreo em grandes competições.

Nos últimos anos, contudo, o conceito mudou. Principalmente em razão da evolução da tecnologia e das técnicas de treinamento, dentro e fora do Brasil, o alto nível deixou de ser terra de homens e mulheres recém-saídos da adolescência –ou mesmo ainda na adolescência– para ver campeões com cada vez mais idade.

Os Jogos Olímpicos, principal evento do planeta, reforçam essa constatação. Em 30 anos, a idade média dos participantes saltou de 25 anos para um ápice de 26,97 nos Jogos do Rio, em agosto passado, de acordo com informações do COI (Comitê Olímpico Internacional).

Na natação, o norte-americano Anthony Ervin sagrou-se campeão nos 50 m livre, a prova mais rápida das piscinas, aos 35 anos, um recorde.

Mais impressionante é que Ervin havia triunfado na mesma prova em Sydney-2000, então com apenas 19 anos. No intervalo de 16 anos, afastou-se da natação por nove anos, envolveu-se com drogas, tentou suicídio. E, ainda assim, foi ao topo do pódio no Rio.

Pode-se contestar o fato de que Ervin triunfou em uma modalidade individual, na qual tudo se define em uma única prova. E até pode ser. Mas a trajetória de Sérgio Dutra Santos, o Serginho, líbero da seleção masculina de vôlei, desconstrói a tese.

Com 40 anos, ele ajudou a equipe nacional a conquistar o ouro no Rio. Foi sua quarta medalha nos Jogos –ele tem outro ouro e duas pratas. Além do título, foi eleito o melhor jogador da competição.

Exemplos como o do brasileiro e do norte-americano se disseminam por todo o esporte. No futebol, na maratona aquática, no tênis, no basquete, e só tende a crescer. Não é por acaso.

"O desempenho físico do atleta diminui com a idade devido à perda de massa muscular. Nos últimos anos, houve uma mudança de cultura com a adoção de mais treinos de força, o que possibilita que atletas mais velhos mantenham massa muscular e força", afirma Irineu Loturco, diretor técnico do Núcleo de Alto Rendimento, centro de treinos e pesquisas baseado em São Paulo.

Loturco também cita o maior conhecimento em aspectos de treinamento como fator preponderante para alongar a expectativa de carreira dos atletas. "Antes havia excesso de treino, e hoje a intensidade assume um papel muito superior ao do volume. A regra é menos tempo e mais intensidade, e isso contribui para conservar o atleta."

"Os atletas no geral vão, em média, competir por mais tempo e atingir idades maiores de maneira competitiva."

Júlio Serrão, do laboratório de biomecânica da USP, endossa a tese. Mas acrescenta que os profissionais que hoje trabalham com equipes esportivas são mais qualificados do que no passado.

"Conhecimento repercute na ponta, que é o alto rendimento. Hoje se consegue controlar muito mais os fatores de preparação. Antes o cara ia treinar e quem cuidava dele era Jesus", brinca Serrão.

Segundo o professor, a biomecânica foi a adição mais recente e transformadora para a longevidade dos competidores. O ramo teve boom de desenvolvimento na década passada, quando rompeu barreiras acadêmicas e chegou ao alto rendimento. Ele considera que os esportes mais afetados são natação, atletismo e futebol.

"Que a média de idade dos esportistas vai crescer, não tenho muita dúvida. Mas o quanto, a gente ainda não sabe dizer", complementa. As ciências do esporte também compreendem a parte psicológica. "Atualmente, o mais velho não é aquele fora da briga, mas sim o mais experiente e bem preparado."

"Sem a barreira física, atletas derrubaram crenças pré-estabelecidas, como a de que tem de ser aposentar com tantos anos, e quebraram esse paradigma", afirma a psicóloga Sâmia Hallage.

Que a média de idade dos esportistas vai crescer, não tenho muita dúvida. Mas o quanto, a gente ainda não sabe dizer

Júlio Serrão, professor do laboratório de biomecânica da USP