O Castigador

Presidente se diz socialista, promove reforma agrária, fecha mineradoras e quer destaque na Ásia

A plataforma de Duterte é mais ampla que a guerra às drogas e suas medidas de apelo social acabam levando ao silêncio setores normalmente críticos, como grupos de esquerda e da igreja católica.

Duterte nomeou um político tido com progressista, ligado a cooperativas agrícolas, Rafael Mariano, para conduzir a reforma agrária, que começou por terras de propriedade da família de seu antecessor, Benigno Aquino 3º.

No Departamento do Meio Ambiente, colocou Gina Lopez, uma ativista respeitada, que já fechou várias das minas irregulares.

Romeo Ranoco - 14.out.2016/Reuters
Philippines Environment and Natural Resources (DENR) Secretary Regina Lopez answers questions during a news conference at the DENR headquarters in Quezon city, Metro Manila, Philippines.
Gina Lopez, secretária de Meio Ambiente

Quando Duterte lançou um slogan de campanha baseado na mudança, muitos analistas acreditaram que seria um fracasso, porque o então presidente Aquino era aprovado pela maioria da população.

"Depois da eleição, ficaram claras duas mudanças, para além da guerra às drogas a qualquer custo, que o presidente tinha em mente. E as duas são preocupantes: a mudança de orientação em direção à China e a restauração da imagem do ex-ditador Ferdinand Marcos", diz John Nery.

A reviravolta em direção aos chineses e a hostilidade em relação aos americanos supreendeu e desgostou até mesmo aliados muito próximos, como o ex-presidente Fidel Ramos, considerado o patrono de sua candidatura.

As declarações de preocupação dos EUA com a violação a direitos humanos na guerra às drogas irritaram Duterte, que as interpretou como uma intromissão na soberania filipina.

Aaron Favila/Associated Press
An effigy of Philippine President Benigno Aquino III burns during farmers' rally near his house a day before the Comprehensive Agrarian Reform program expires in suburban Quezon city, north of Manila, Philippines, on Sunday, June 29, 2014. The farmers group claimed that the land distribution program of the government is a failure, 26 years after it was implemented.
Protesto contra a interferência americana

O governo chinês, também criticado por violência política, é um aliado mais palatável. A China foi seu primeiro destino oficial e, depois da visita, ele declarou: "Amigos de verdade fazem como a China: em vez de criticar, oferecem ajuda para solucionar os problemas".

À frente de uma população declaradamente pró-americana —92% declararam ver os EUA com bons olhos em pesquisa do Instituto Pew em 2015—, ele tratou de modular seu discurso com recuos após cada ataque.

Apesar de comemorar a vitória de Trump, pediu em discurso que o presidente eleito dos EUA seja justo com os imigrantes —há 3 milhões de filipinos em solo americano, e eles são responsáveis por remessas importantes para a economia do país.

A restauração de Marcos, numa manobra-relâmpago no final de novembro, surpreendou o país todo.

Depois de uma batalha judicial que chegou à Suprema Corte, em 18 de novembro o governo montou uma operação relâmpago para enterrar, sem aviso, o corpo do ex-ditador no Taguig, o cemitério dos heróis do país.

Apesar da popularidade, há pelo menos dois grandes desafios no caminho, um interno e outro externo.

Romeo Ranoco - 18.nov.2016/Reuters
A protester burns an image of former Philippine dictator Ferdinand Marcos along a main street at Taft avenue, metro Manila, Philippines November 18, 2016. REUTERS/Romeo R.
Protesto contra o enterro de Marcos no cemitério dos heróis

Duterte terá que ser hábil para conciliar seus programas sociais, fundamentais para alongar a aprovação popular, com os interesses da elite rica, que controla o Congresso.

Projetos como os de reforma agrária e trabalhista prejudicam diretamente os lucros de latifundiários e empresários.

Por enquanto, a elite econômica tem mantido o silêncio em relação ao novo presidente. Duterte é visto como pró-mercado e fez uma administração favorável às empresas em Davao.

Um episódio, no entanto, levantou preocupação: Duterte citou nominalmente Roberto Ongpin, um dos homens mais ricos da Ásia, como exemplo de uma "oligarquia corrupta que enriquece enquanto o povo pobre sofre".

Em poucos dias, a Philweb, empresa de entretenimento e games on-line de Ongpin, perdeu 50% do valor de mercado e o empresário se viu forçado a deixar a presidência do grupo.

Outro ponto que preocupa são declarações recentes de que pretende mudar a legislação trabalhista para acabar com os contratos temporários. Criados para atender a períodos de pico, eles permitem recrutar trabalhadores por até cinco meses sem a necessidade de pagar direitos ou benefícios.

Pang Xinglei - 20.out.2016/Xinhua
Chinese Premier Li Keqiang (R) meets with Philippine President Rodrigo Duterte at the Great Hall of the People in Beijing, capital of China, Oct. 20, 2016.
Duterte e o premiê chinês, Li Keqiang, em Pequim

Conhecida como "endo" (end of contract), a modalidade acabou sendo adotada como regra, principalmente no comércio, e hoje atinge 70% dos trabalhadores filipinos, ou 28 milhões.

Críticos do sistema dizem que grandes grupos apenas transferem empregados de uma empresa para outra, para poder manter a força de trabalho sem pagar os direitos trabalhistas.

O presidente já pediu a empresários que parem de usar essa modalidade e prometeu reduzi-los à metade até o final deste ano e acabar com eles até o final de 2017.

As empresas reagiram dizendo que os custos com a folha de salários vão subir até 30%, o que as obrigará a empregar menos gente.

A Confederação de Empregadores chegou a dizer que a medida afastaria investidores estrangeiros e que pretende recorrer à Justiça se os contratos temporários forem proibidos.

Uma reação internacional seria importante para "pressionar os empresários a reagir", diz o bispo auxiliar de Manila, Broderick Soncuaco Pabillo.

David Mareuil - 26.out.2016/Reuters
Philippines President Rodrigo Duterte (L) toasts with Japan Prime Minister Shinzo Abe during a banquet at Abe's official residence in Tokyo, Japan October 26, 2016. REUTERS/David Mareuil/Pool ORG XMIT: TOK508
Duterte e o premiê japonês, Shinzo Abe

"Eles têm ficado calados com medo de seus negócios serem afetados."

O índice de confiança medido pelo Banco Central das Filipinas (BSP) para o último trimestre deste ano caiu em relação ao trimestre anterior, o que é incomum por causa das compras de fim de ano, e foi o menor para o período desde 2011.

Segundo o BSP, incertezas em relação à política externa e às reformas estruturais do governo, além de possíveis impactos da eleição de Trump nos EUA, foram o principal motivo para a redução do otimismo.

Por enquanto, ele tem mantido o público interno entretido com sua guerra ao crime.

Mas, para evitar que a popularidade caia rapidamente, terá que fortalecer as forças policiais com aumento de salários, equipamento e treinamento, e levar a cabo sua promessa de expurgar o órgão de oficiais corruptos.

Outra turbulência previsível durante a gestão Duterte serão as relações internacionais —o presidente quer se tornar uma liderança na Ásia e se aproximar tanto da China quanto do Japão, países que podem investir na infra-estrutura filipina, mas que são hostis entre si.