Duterte alia exageros de Trump a experiência na política e nas ruas
Quando Donald Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos, no dia 8 de novembro, seu nome e o do presidente filipino Rodrigo Duterte foram incluídos na lista de possíveis tiranos apeados ao poder em uma nova onda conservadora.
Os dois têm semelhanças: são descritos como predadores sexuais e capturam a atenção da mídia com vocabulário vulgar e declarações agressivas.
Duterte já declarou publicamente ser incapaz de se controlar quando sente vontade de beijar uma mulher, teve seu casamento anulado por repetido adultério e
Em poucas semanas, xingou o papa, o presidente americano Barack Obama, ameaçou o país com a volta da lei marcial, disse a jornalistas que eles poderiam ser mortos e se comparou a Hitler —única declaração da qual se desculpou, dias depois.
O número de drogados dos quais Duterte promete se livrar é o mesmo do de imigrantes ilegais que Trump prometeu deportar: 3 milhões.
E as Filipinas guardam características do tempo em que foram colônia dos EUA: as rádios tocam baladas americanas dos anos 1950 e o basquete é a paixão nacional, ainda que os filipinos tenham estatura média de 1,63 metro, contra 1,76 metro dos homens nos EUA.
Toto Lozano - 3.dez.2016/AFP | ||
Duterte recebe telefonema de Donald Trump, que elogia a guerra às drogas filipina |
Mas Duterte está tão longe de ser Trump quanto as Filipinas são distantes dos Estados Unidos.
Enquanto Trump é um outsider da política, Duterte é um veterano, reputado como estrategista, inteligente e obstinado.
Os dois montaram cavalos de batalha diferentes para reunir o apoio de uma população deixada à margem do progresso econômico.
Trump dividiu os Estados Unidos com mensagens de ódio a uma parte do eleitorado; Duterte escolheu um inimigo simples de entender e difícil de refutar: "os criminosos".
O americano é um bilionário. O filipino tira vantagem justamente de não ser parte das 400 famílias que controlam a economia e a política do país há séculos.
Por não ser de Manila, onde está a elite do país, conquistou apoios importantes como o do ex-presidente Ramos, que viu nele a possibilidade de quebrar a hegemonia da capital na Presidência.
Eugene Hoshiko - 26.out.2016/Associated Press | ||
O presidente filipino reclamou das críticas do ex-presidente Barack Obama a sua guerra antidrogas |
Duterte se lançou à Presidência em novembro de 2015, seis meses antes das eleições, que ocorreram em maio.
O lançamento tardio foi cautelosamente planejado para o momento em que os candidatos concorrentes já haviam sofrido com a exposição e os ataques do então governo federal.
Nos comícios, reforçou seu perfil autoritário, agressivo com seus críticos, voluntarista e pouco diplomático.
Rotulou os adversários como "marionetes corruptas da oligarquia" e derrotou o candidato governista, que tinha nas mãos a máquina política e mais recursos financeiros.
Bullit Marquez - 4.out.2016/Associated Press | ||
Duterte simula uma arma durante discurso em Taguig, Grande Manila |
A imagem de durão é a principal arma de Duterte, mas ele também prometeu obras de infraestrutura e acenou com mais autonomia para as ilhas pobres das regiões centrais e sul, que se sentem esquecidas pela industrializada região do norte.
A estratégia de campanha foi construída sobre três pilares: um candidato carismático, uma mensagem capaz de mobilizar os eleitores e o uso sistemático das mídias sociais.
Capaz de passar rapidamente de um discurso articulado e tranquilo a uma sequência de piadas rudes, xingamentos e ameaças, o ex-prefeito de Davao eletriza as plateias.
"Ele poderia reconhecer o diabo na rua se o encontrasse", escreveu seu colega de infância e atual assessor Jesus Melchor V. Quitain no "Inquirer".
"Ele entende as ruas. E, embora reconheça que precisa moderar suas palavras, fala a língua das ruas. Olhem mais para o que ele faz e menos para o que ele diz."
Bullit Marquez - 9.mai.2016/Associated Press | ||
Apoiador aperta a bochecha de Duterte no dia da eleição presidencial |
"Ele se conecta com as massas. Não é só a mensagem, é também o mensageiro", diz John Nery, vencedor dos principais prêmios de jornalismo investigativo das Filipinas, analista político do diário "Inquirer" e editor-chefe do site da publicação.
A figura de alguém resoluto, não influenciável e que cumpre suas promessas encontrou respaldo na frustração popular.
Fazendo valer seu apelido de "Castigador", defendeu as mortes de criminosos em Davao, onde foi prefeito, propagandeou o fato de ter pessoalmente assassinado três suspeitos de sequestros e declarou que um presidente "precisa ter vontade de matar".
A mistura de xingamentos e opiniões controversas trouxe farta e inevitável repercussão.
Duterte tornou-se o centro das atenções. Suas frases sexistas sobre estupro e mulheres ganharam as manchetes e monopolizaram o destaque na mídia.
Até mesmo a reação dos oponentes, tentando se colocar como o oposto ao prefeito de Davao, jogaram nele os holofotes.
O candidato também foi eficiente na propaganda dos resultados de sua gestão em Davao, onde menores de idade não podem sair sozinhos depois das 22h, bebida alcóolica não se vende depois das 2h e fumar só é permitido em pouquíssimos lugares.
Na publicidade governista, Davao é apresentada como "uma das cidades mais seguras do país e do mundo".
O rótulo foi repetido dentro e fora do país, embora não se sustente em dados factuais. Não há estatísticas suficientes disponíveis sobre a criminalidade ou a penetração de drogas em Davao, mas relatórios da PNP não mostram a cidade entre as de menores índices do país, e a imagem de segurança é atribuída por uma enquete on-line sem respaldo cientifico.
Sua campanha contratou empresas de relações públicas que se encarregaram de amplificar as polêmicas nas redes sociais.
Reprodução | ||
Apoiadores do presidente Duterte em campanha que viralizou nas redes sociais |
Cercado por uma equipe de assessores fiéis, montou uma máquina de comunicação alternativa, em que grupos de defensores se encarregavam de propagar sua mensagem na internet.
O presidente contou também com dezenas de internautas que, espontaneamente, replicaram suas mensagens e reforçaram sua popularidade.
Duterte tem mais de 4 milhões de seguidores no Facebook, e seus patrulheiros, outras centenas de milhares de likes em suas páginas.
"Com essa rede extensa, ele foi capaz de contornar a mídia tradicional. Foi a primeira eleição presidencial em que isso ocorreu", diz John Nery.
E sua mensagem simples de "ordem e progresso a qualquer custo", embalada na imagem de pulso firme e catapultada por exposição abundante na mídia, falou mais alto aos eleitores que suas gafes e comentários preconceituosos.
Seus críticos temem que ele encaminhe o país para uma ditadura ou que, ao final de seu mandato, tente mudar a Constituição para permanecer por mais tempo.
Ele mostrou que é capaz de matar milhares sem ser incomodado. O resto -restringir liberdades civis, assumir poderes ditatoriais- será uma operação 'mopping-up' [pente-fino realizado por soldados para encontrar inimigos remanescentes após vencer uma batalha].