Círculo de fogo

"Presidente, me deixe ficar velha", pede ex-executiva de multinacional que tenta se livrar das drogas

Veronica Sevilla, 44, já esteve dos dois lados do crescimento econômico filipino, que no trimestre encerrado em setembro foi o maior do Leste Asiático: 7,1% anualizados, superando a China (6,7%).

"Já fomos um tigre asiático; agora somos uma nação-rato", diz a ex-diretora-financeira do conglomerado empresarial Lippo, na Indonésia, e ex-viciada em shabu.

Nascida numa família rica, teve acesso a escola particular, medicina de Primeiro Mundo e todas as grifes internacionais.

O Lippo, de cuja direção ela participou por cinco anos, é um dos maiores grupos empresariais asiáticos e Veronica poderia estar hoje entre os principais privilegiados pela política fiscal austera e as medidas econômicas do governo anterior.

Na estimativa do FMI, as Filipinas devem garantir taxas de crescimento acima de 6% pelos próximos seis anos, chegando a 7% em 2019, 2020 e 2021.

Vincent Go/Folhapress
Veronica at Barangay 377.
Veronica Sevilla, na barangay Punong, onde mora, em Manila

Mas o vício em metanfetamina, iniciado aos 18 anos, a colocou na outra ponta da escala social filipina, em que o PIB per capita (em paridade de poder de compra, medida usada para comparar diferentes países) é metade do da China, ou pouco mais de US$ 7 mil neste ano, segundo o FMI.

Na semana do Dia dos Mortos, Veronica comemorava os 700 pesos (US$ 14) por dia que conseguira guardar ajudando motoristas a achar vagas de estacionamento perto de cemitérios.

Vincent Go - 2.nov.2016/Folhapress
atual companheiro de Veronica Sevilla e pai de sua filha de dois anos varre rua na comunidade em que vivem, em Manila.
Companheiro de Vicente trabalha em limpeza de rua no Dia dos Mortos

"Ganhei uma segunda chance", diz a mãe de oito filho, o mais velho com 28 anos e o mais novo com 2.

A ex-executiva diz estar livre de drogas há cinco meses, desde que começou a frequentar as reuniões do programa Meio de Vida com o padre Renato Bobby Dela Cruz, ministro de justiça reparadora da Arquidiocese de Manila.

Mora ao lado da quadra de basquete da barangay 337, em Punong, Manila, com o companheiro, também ex-viciado, também no programa de reabilitação.

"Já passei por desintoxicação várias vezes, por quatro meses, seis meses, oito meses. Mas quem encontra a mesma situação lá fora quando sai da clínica acaba recaindo nas drogas", diz Veronica.

Para ela, as seções promovidas pelo padre Bobby são diferentes porque "fazem os dependentes mudarem por dentro".

Veronica e seu companheiro dormem sobre um tablado aberto e temem ser vítimas dos grupos de extermínio.

"Fico apavorada, porque assinamos a confissão e eles ficaram com todos os nossos dados: fotos, digitais, endereço. E os pistoleiros e a polícia, quando querem matar, simplesmente vão e matam. Não há defesa, não há interrogatório."

Antes de ser "adotada" por Victoria Grande, a chefe de barangay que criou o Meio de Vida com a polícia e a igreja, a ex-executiva dormia dentro de jeepneys (miniônibus improvisados sobre chassis de jeeps) estacionados nos meios-fios.

Renegada pela família e pelos filhos mais velhos durante duas décadas, Veronica diz que a reabilitação também está ajudando a reatar os laços com os parentes.

"Todos os dias falo ao telefone com meus filhos. Passo a passo, até mesmo minhas tias estão me perdoando."

Ao presidente Duterte, ela gostaria de pedir menos intolerância com os dependentes e mais chances de recuperação.

"Quero envelhecer, não quero morrer jovem. Eu quero ficar velha, ao lado dos meus filhos, dos meus netos, do meu companheiro. Meu sonho é esse, poder envelhecer."