O que diz a lei

Lésbica é bloqueada por exaltar a palavra 'sapatão' no Facebook

Ricardo Borges/Folhapress
Eloisa Samy Santiago
A advogada Eloisa Samy Santiago, 48, diz que foi censurada duas vezes pelo Facebook ao refutar discursos misóginos

KLEBER NUNES
THAIZA PAULUZE
DA EDITORIA DE TREINAMENTO

Basta a advogada Eloisa Samy Santiago, 48, postar "sapatão" que sua conta é bloqueada pelo Facebook, ela diz. Eloisa é reincidente: num dos posts, compartilhou frase de outro usuário —"Hoje acordei com vontade de matar uma mulher"— para refutar o discurso misógino. Ficou mais um mês sem a conta.

"Sou lésbica, mas não posso me chamar de 'sapatão' e ter orgulho disso. Sou censurada, sem chance de defesa."

O Facebook afirma que tem 4.500 funcionários treinados para diferenciar discursos de intolerância de conteúdos críticos a ela. Não tem funcionado para a advogada.

Numa rede com 2 bilhões de usuários ativos, são milhões de denúncias por semana. A empresa não divulga quantas dessas postagens são excluídas, mas é pouco factível que os revisores deem conta da tarefa. O Facebook anunciou que contratará mais 3.000 para a função.

Enquanto parte da sociedade cobra mais rigor das redes sociais em relação aos discursos intolerantes, outra parte acha que não cabe às plataformas definir os limites da liberdade de expressão.

"Remover conteúdos unilateralmente é arbitrário e viola o Marco Civil da Internet", diz o advogado José Milagre, dono de um dos escritórios pioneiros em direito digital.

Para Sérgio Amadeu, pesquisador e membro do Comitê Gestor da Internet no Brasil, a lei 12.965/14 "veio para evitar que se destruísse a liberdade de expressão, ao impedir a remoção de conteúdo sem ordem judicial".

As redes sociais se valem dos seus termos de uso para ocultar ou remover conteúdos e até cancelar contas. Também há ferramentas que bloqueiam a interação entre usuários, como a opção de retirar caixas de comentários.

O vice-presidente de engenharia do Twitter, Edward Ho, afirmou em artigo que a rede de 310 milhões de usuários ativos no mundo vai coibir a criação de "contas abusivas e ocultar tuítes potencialmente abusivos ou de baixa qualidade".

Não há detalhes sobre o que seria abusivo ou de baixa qualidade. Em nota à Folha, o Twitter diz apenas que é prioridade combater o ódio.

"Desde que as regras estejam dentro da lei, essa é a forma mais rápida de tirar do ar um post, caso a pessoa se sinta prejudicada", diz a promotora Fernanda Souza, do Núcleo de Combate a Crimes Cibernéticos da Procuradoria da República em São Paulo.

Para o advogado Milagre, é ilegal. "Rede social não é juiz, não cabe a ela decidir o que fere ou não o direito à liberdade de expressão."