O que diz a lei

África do Sul debate lei que prevê pena de prisão por discurso "danoso"

Hannibal Hanschke/Reuters
Lutz Bachmann
Lutz Bachmann, líder de movimento contra a "islamização da Europa", condenado por ofensas a refugiados

DIANA LOTT
JOÃO CARNEIRO
DA EDITORIA DE TREINAMENTO

França e Estados Unidos formaram historicamente a dianteira na garantia da liberdade de expressão. Os franceses reconheceram o direito em 1789, na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, adotada na Revolução Francesa. Em 1791, a Primeira Emenda à Constituição americana proibiu o Congresso de legislar "cerceando a liberdade de palavra".

Hoje, boa parte do mundo reconhece o direito em normas de valor constitucional. Já a expressão discurso de ódio, que acirra os debates em sociedades modernas mais complexas, ainda é raridade na letra da lei.

Na África do Sul, uma lei de 2000 proíbe discursos "perniciosos" e "danosos" baseados em "raça, gênero, sexo, gravidez, estado civil, origem social ou étnica, cor, orientação sexual, idade, deficiência, religião, consciência, crença, cultura, idioma ou nascimento."

O país discute agora uma nova legislação que amplia as categorias protegidas e endurece as penas, passando a permitir a prisão. A proposta enfrenta resistência de juristas que a consideram excessivamente ampla e passível de atingir a crítica política.

A legislação alemã não cita o "hate speech", mas criminaliza incitações ao ódio que perturbem a paz pública.

No ano passado, Lutz Bachmann, líder do movimento Europeus Patrióticos Contra a Islamização da Europa, foi condenado a pagar multa de mais de 9.000 euros (R$ 35.641,00) por ter feito postagens no Facebook em que se referia a refugiados como "lixo" e "gado".

Em 2000, o Reino Unido adotou leis que proíbem a incitação ao terrorismo (a França fez o mesmo em 2014). O caso da britânica Samina Malik, a "terrorista lírica", teve grande repercussão.

A funcionária do aeroporto de Heathrow, em Londres, mantinha manuais de terrorismo e escrevia poesias on-line sobre decapitação e martírio. Os textos lhe renderam uma condenação em 2007, mas a corte de segunda instância considerou que a poesia por si só não constituía incitação ao terrorismo.

AVESSO A RESTRIÇÕES

O direito americano é especialmente avesso a restringir a liberdade de expressão.

Ao longo do século 20, firmou-se a interpretação de que restrições só podem ser aceitas quando têm conteúdo neutro, como o veto ao uso de alto-falantes em hospitais, independentemente da mensagem veiculada.

Limitações baseadas no conteúdo do discurso são presumidas inconstitucionais.

Em 1992, ao decidir sobre a condenação de um jovem que queimou uma cruz no quintal de uma família negra —ato associado à Ku Klux Klan—, a Suprema Corte julgou inconstitucional um decreto da cidade de Saint Paul, no Estado de Minnesota, que criminalizava a prática.

O tribunal julgou que a norma era seletiva ao se referir apenas a ações "com base em raça, cor, credo, religião ou gênero", deixando de fora outros tipos de discursos violentos.

Em casos mais antigos, a jurisprudência da Suprema Corte havia admitido exceções pontuais à aplicação da Primeira Emenda, mas evoluiu ao longo do século 20 no sentido de eliminá-las.

Em 1942, a corte decidiu manter a condenação de Walter Chaplinsky, testemunha de Jeová que havia sido preso por ter chamado um policial de "maldito fascista" e "farsante amaldiçoado" após ser detido por causar tumulto pregando na rua.

A decisão firmou a doutrina das "palavras de luta", que permite punir discursos que "não são parte essencial de qualquer exposição de ideias" e que possam incitar "um rompimento imediato da paz". Essa categoria, porém, tem caído em desuso.

No caso Brandenburg v. Ohio, de 1969, a corte reverteu a condenação de um membro da Ku Klux Klan, que, em discurso durante um ato, conclamou os presentes a "enterrar" os negros.

Ao inocentar Brandenburg, a corte afirmou que a "defesa abstrata" de ações violentas não pode ser punida quando não implica risco imediato de ações ilegais.