As Estrelas

Folha acompanha Whindersson, youtuber que saiu do interior do Piauí para a pole position nacional

Gabriela Di Bella/Folhapress
Whindersson Nunes tira selfies com o público durante seu show

ETEL FROTA
DA EDITORIA DE TREINAMENTO

Whindersson Nunes, 21, está há três horas dentro da van, agora estacionada no pátio dos fundos do Campo Clube Senhor do Bonfim (BA). São 20h, ele viajou durante as últimas 14 horas. Na noite anterior havia apresentado em Uberlândia (MG) o show "Marmininu" ("Mas, menino", com sotaque nordestino). Suas turnês são assim: uma noite em cada cidade, dias dentro de vans, aviões, aeroportos.

O plano de desembarcar no hotel tem que ser abortado, porque um grupo de fãs o espera na calçada. A van segue diretamente para o local do evento. Outra vez, ali, o local não reúne condições de segurança. Nem de higiene: o banheiro do camarim improvisado está com o vaso sanitário entupido, sem descarga nem papel higiênico.

As 1.900 cadeiras de plástico estão completamente tomadas. Uma pequena aglomeração se forma perto dos carrinhos de pipoca. Anunciado, Whindersson entra no palco. Veste a mesma camiseta preta com salpicos coloridos que usava no voo de Salvador, onde não parece ter sido reconhecido. O cabelo, oxigenado e crescido, com raízes escuras à mostra, está amarrado em um rabo de cavalo. A plateia vai ao delírio.

Ele faz piada com medo de avião, peidos, catarros; canta em dois momentos: uma lição de embromêixon, em que ensina como fingir cantar em inglês, e uma imitação de Michael Jackson, que "não sabia nada de inglês, era cearense e entregava gás". Mas o hit absoluto do seu repertório são mesmo as histórias da mãe. O ritmo do standup se mantém do começo ao fim. Whindersson Nunes fala o dialeto do seu público que, literalmente, chora de rir.

NA ESTRADA

No último banco da van que nos leva a Petrolina (PE), Whindersson ouve a playlist do celular conectado a um alto-falante, improvisando segundas vozes.

Desde a véspera, a reportagem da Folha viaja com o artista. Ele mal levanta os olhos da telinha, responde com monossílabos. Parece constrangido com presenças estranhas à sua equipe.

O show em Senhor do Bonfim, na véspera, foi um sucesso. O público ainda aplaudia enquanto a van saía. Animado, foi a única vez em que puxou conversa com a repórter: "E aí, a senhora conseguiu assistir? Gostou?"

Pretendia sair mais tarde para jogar futebol, o que não aconteceu: na calçada do hotel, o produtor Luiz Cláudio Cabral Alves, 27, teria uma árdua negociação com um grupo que convocava o artista aos gritos, indignado por não tê-lo visto de perto. Ele pede às meninas que voltem na manhã seguinte –diz que garante a foto, desde que não contem a ninguém.

O episódio explicita o paradoxo dessa geração de artistas "feitos em casa": sua popularidade se construiu a partir da presunção de uma intimidade com o público, que a fama se encarrega de inviabilizar. Não receber fãs para selfies é pecado mortal.

Na calçada, duas meninas choram abraçadas, enquanto uma mãe exaltada conclama: "Filma isso!, filma isso!" Uma adolescente indignada diz à outra, enquanto descem a rua: "É para você aprender a ser fã de gente certa!" E completa, referindo-se à reportagem da Folha, a quem tinha pedido intermediação junto ao artista: "Jornalista, jornalista... Profissão de merda, nem diploma precisam ter!"

Marcus Leoni/Folhapress
SENHOR DO BONFIM, BA, BRASIL, 05.11.16 21H O youtuber Whindersson Nunes apresenta seu show de stand up em Senhor do Bonfim, na Bahia. (Foto: Marcus Leoni / Folhapress, TREINAMENTO)
Whindersson Nunes em Senhor do Bonfim, na Bahia

No fundão da van com Whindersson, cantando com ele, viajam Beto Moraes e João Neto, ambos de 22 anos, amigos de longa data, cuja inclusão na trupe foi exigência do artista à produtora. "Tivemos que profissionalizar os meninos", afirma o empresário, João Mendes.

Vão do gospel "...Deus está aqui, tão certo como eu respiro..." ao funk "...quer andar de meiota, senta na minha piroca..." (ver playlist abaixo). Entre louvores e baixarias, os três amigos -o tempo todo às voltas com o celular- se divertem.

ASSEMBLEIA DE DEUS

Terceiro filho de Valdenice, 46, e Hidelbrando, 50, o "Lampião do YouTube", como ele se apresenta em seu canal, nasceu em Palmeira do Piauí (4.973 almas, segundo o IBGE). A família mora em Bom Jesus (23.826 moradores) e mantém outra casa em Santa Luz (5.666 habitantes), a mais de 600 km a sudoeste de Teresina.

Valdenice diz que o nome Whindersson foi inspirado em um jogador de futebol que ela viu na TV, cujo time ela não lembra. O marido diz que essa história, na verdade, é sobre a escolha do nome de outro filho, Hidelvan.

Não falta criatividade a essa mãe que batizou ainda um Harisson, 25, veterinário de formação que administra a vida financeira do humorista, e a caçula Hagda Kerolayne, 19, estudante de direito em Teresina.

Sobre suas broncas e surras, tema recorrente do filho, ela confirma, entre gargalhadas, que "é tudo verdade, ele teve que inventar muito pouca coisa". Ela vem de família de gente severa; criou os filhos com rigor. "Não me arrependo."

O forte de Whindersson são as paródias. Valdenice conta que, aos 11 anos, o filho frequentava a Assembleia de Deus, contrariando a tradição da família materna, que sempre foi católica. "Foi primeiro lugar num concurso de calouros, ganhou R$ 50. Perdeu a timidez; se não tivesse sido evangélico, não seria essa pessoa que é hoje."

Whindersson estudou informática no segundo grau. Foi quando decidiu o que queria fazer na vida. Após vários fracassos, um belo dia postou "Alô, vó, tô reprovado", paródia do arrocha "Vó, tô estourado", de Israel Novaes (PA). Em uma só noite, teve 5 milhões de visualizações. Parecia o começo do sucesso. Logo depois, seu canal foi invadido por um hacker que apagou todo o conteúdo.

Depois de um período de desânimo, retomou a produção. Caminhava 3 km até a casa de uma amiga que tinha câmera boa, voltava, filmava, editava e caminhava mais 2 km para postar o vídeo em uma lan house, já que não tinha conexão de internet em casa.

Passados pouco menos de quatro anos, em outubro, seu canal ultrapassou o "Porta dos Fundos" e atingiu 14 milhões de inscritos. Seu hit "Qual é a senha do wi-fi", paródia de "Hello", de Adele, já teve mais de 42,4 milhões de visualizações.

O cenário de seus vídeos evoluiu na proporção da audiência. Inicialmente gravava em seu quarto de solteiro, modesto e bagunçado. Sem camisa, "por causa do calor". Nas performances atuais, os móveis brancos planejados do apartamento em Fortaleza fazem supor um ambiente refrigerado. Ele continua sem camisa.

Redobrou também o cuidado com o conteúdo, temendo que se repitam as polêmicas enfrentadas ao longo deste ano. Em maio, na esteira da comoção pelo estupro coletivo de uma menor no Rio de Janeiro, um tuíte seu de 2014, em que afirmava achar estupro uma palavra muito forte, "prefiro chamar de sexo surpresa", foi repescado e causou furor nas redes sociais. Whindersson removeu a frase, pediu desculpas e aderiu à campanha #AVitimaNãoTemCulpa.

Em julho, nova celeuma, desta vez com a comunidade LGBT, ao postar uma foto em pose afeminada. Tem editado seus conteúdos, tirando "várias coisas que iria falar, para não dar problema".

Desde março namora Luísa Sonza, 18, gaúcha, que canta covers. Whindersson a viu pela primeira vez no Instagram. A linha de crescimento do canal de Luísa é quase tão impressionante quanto a do namorado: saltou de 2.000 inscritos em fevereiro para mais de 1 milhão em dezembro. Lampião parece ter encontrado sua Maria Bonita: "Vou casar com ela."

FATURAMENTO

Whindersson é apaixonado por carros. Durante as Olimpíadas desse ano, a Nissan, patrocinadora oficial do evento, o levou ao Maracanã, sua "primeira vez num estádio", segundo publicação no Instagram em que pedia à montadora que lhe desse um carro de presente.

Era uma ação da campanha publicitária #QuemSeAtreve. O post teve 250 mil curtidas, e ele ganhou um Nissan para sua frota, cujo tamanho ninguém confirma. Fala-se em oito carros. Luiz Cláudio desmente: "Eu sei do dele, só [um BMW]."

A base do "Lampião" digital tem sido Fortaleza, onde, além do apartamento em que mora, tem mais uma casa. Tem passado bastante tempo em São Paulo. "Talvez a gente precise comprar um apartamento lá", diz o empresário.

O número de shows cresce constantemente. Neste ano, foram 85 até junho e 94 (incluindo os previstos) neste segundo semestre. Ocupa desde pequenos lugares no interior do país à Concha Acústica do Teatro Castro Alves em Salvador (BA), com 5.000 lugares. A meia-entrada varia de R$ 30 a R$ 50. Se fosse contratado, hoje, para um show em São Paulo, teria agenda para junho de 2017 e cobraria R$ 90 mil de cachê. Esse valor depende da cidade e da capacidade do local da apresentação.

Gabriela Di Bella/Folhapress
SAO PAULO, SP, BRASIL, 30-10-2016, 14h00: Digital Stars Extreme, festa reúne os maiores youtubers do Brasil nos pavilhões do Anhembi. Na foto: Fãs deliram e usam o celular para gravar quase tudo durante o show do youtuber de sucesso Whindersson Nunes. (Foto: Gabriela Di Bella/Folhapress, TREINAMENTO) ***EXCLUSIVO FOLHA****
Fãs deliram e usam o celular para gravar show do youtuber de sucesso Whindersson Nunes em São Paulo

As "ações" se multiplicam. Faz uma participação em "Penetras 2", longa-metragem dirigido por Andrucha Waddington; um novo filme começa a ser rodado em maio; exibe no canal uma grife pernambucana, come balas Tic Tac em cena, pede "likes" para um sanduíche do Bob's, dubla um jovem dinossauro no último "A Era do Gelo".

Whindersson parece ainda o moleque engraçado do Piauí, que quer sair com os amigos para se divertir. A diferença é que agora tem gente contratada para ir lhe abrindo as portas de campos de futebol, rachas de kart e batalhas de paintball, que adora.

No horário marcado para a entrevista à Folha, ainda estava tomando banho, porque tinha se atrasado na volta de um passeio de jet-ski no São Francisco. Após poucas perguntas, terminando de se vestir, ouve a repórter (que anota as respostas sentada no chão do seu quarto) se despedir desejando-lhe "merda!" Levanta os olhos do celular, olha-a de frente, sorri e pergunta: "Você sabe por que se deseja merda?" Alarga o sorriso com a resposta.

Bem que a entrevista poderia estar começando ali.