A Sociedade

Quase metade dos cem canais mais vistos tem conteúdo para criança

Adriano Vizoni/Folhapress
A youtuber Julia Silva, 9, durante festa que comemora 1 milhão de inscritos em seu canal no YouTube

CHRISTIANA MARIANI
DANIELA MARTINS
ETEL FROTA

DA EDITORIA DE TREINAMENTO

Depois de desafios como regular o tempo do videogame e decidir em que idade dar o primeiro celular, eis um novo dado para tirar o sossego de pais zelosos: dos cem canais de maior audiência no YouTube brasileiro, 48 abordam conteúdo consumido por crianças de até 12 anos.

Mais: entre outubro de 2015 e setembro de 2016, os canais voltados para o público infantil alcançaram a marca de 52 bilhões de visualizações, segundo o mesmo estudo, feito pela coordenadora da área de Família e Tecnologias da ESPM Media Lab, Luciana Corrêa.

Como proteger os filhos da exposição a conteúdos inadequados num mar de canais sem bloqueio por faixa etária e em que os vídeos vão se sucedendo automaticamente, sem que a criança precise fazer qualquer escolha?

A advogada Ana Paula Maciel, 40, mãe de três filhos, aprendeu a lidar com a situação na prática, quando a filha mais velha ganhou seu primeiro celular, aos 11 anos. Ela optou por instalar aplicativos de controle parental que filtram conteúdo por idade e estabelecem horários de corte para o sinal da internet.

Se a filha queria ver algum conteúdo vetado, precisava conversar com a mãe. Para usar a internet depois do horário, também tinha de apresentar argumentos. A experiência acabou funcionando como um estímulo para a comunicação familiar.

Para ela, além do conteúdo, outra preocupação era o tempo excessivo que a criança passava na internet. "O descontrole acaba causando a perda do contato humano, da conversa olho no olho. Isso pode levar a uma falta de empatia, uma dificuldade de perceber os sentimentos reais do outro."

Hoje, a menina tem 14 anos e a mãe se sente mais segura para lidar com os filhos menores. Os aplicativos de controle foram desativados, mas os celulares ainda são retirados do quarto antes de dormir. Como saldo, a advogada diz ter descoberto que é impossível ter controle sobre tudo e que o principal é ensinar os valores mais importantes para a família e ajudar as crianças a desenvolver senso crítico sobre o que assistem.

"Crianças e adolescentes são muito influenciáveis, e a internet traz para eles a imagem da celebridade que ganha muito dinheiro, a fantasia de que a vida pode ser fácil", diz Jackeline Giusti, 47, do Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência do Hospital das Clínicas da USP. "A criança é um HD sem informação que vai ficar com aquilo que você tiver plantado nessa fase".

MUITO LIXO

As escolas também estão se adaptando. Algumas fazem questão de que a tecnologia integre seu projeto pedagógico. O Pueri Domus criou o Pueri Video Lab, um laboratório de produção de vídeos para veiculação no YouTube em que os alunos são produtores de conteúdo. A iniciativa foi um grande sucesso entre as crianças.

"Queremos estar atentos para o que acontece fora daqui. Só tem sentido na escola o que tem sentido fora dela", declara Maria Cecília Lima, 60, diretora geral de uma das unidades do colégio.

Nem todos os educadores estão de acordo com uso intensivo da tecnologia. É o que ocorre com as escolas que adotam a pedagogia Waldorf: "A escola Waldorf acredita que outras habilidades também precisam ser desenvolvidas. Aprimorar a destreza de suas mãos com trabalhos manuais, como tricô, marcenaria, caligrafia. Para enfrentar o mundo real não podemos ser bons apenas no computador", afirma Irceu Munhoz, 40, pedagogo da Escola Rudolf Steiner.

A assistente de direção de cinema Dandara Guerra, 33, mãe de dois meninos de 4 e 11 anos que estudam em uma escola Waldorf no Rio de Janeiro, afirma que não escolheu a escola porque ela restringe o uso da tecnologia: "Eu não conhecia a pedagogia Waldorf. Coloquei meu primeiro filho lá por outros motivos e fui descobrindo que havia essa restrição. Gostei, fez muito sentido para mim".

Roseli Caldas, 60, professora de psicologia da Universidade Mackenzie, entende que a escolha desse tipo de educação é válida, mas ressalta que impedir é sempre um caminho perigoso. Ela diz que já trabalhou com crianças que enfrentaram dificuldades de adaptação em ambientes em que o uso da tecnologia se faz necessário: "É possível a adaptação, mas é muito trabalhosa, difícil e sofrida."

Fora do ambiente escolar, Caldas é categórica: "Criança não pode ir para a internet e para o YouTube sozinha. É preciso saber o que ela está acessando, tem muito lixo".