'Quintal' do Massa

Lembro de tudo em 2008, 100%

O corredor Felipe Massa, que se despede da F-1 em 2016 Mark Thompson/Getty Images
Felipe Massa se despede da F-1 em 2016

TATIANA CUNHA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Folha - Você é o piloto brasileiro com melhores resultados em Interlagos. Sabe dizer por que se encaixa tão bem com a pista?
Felipe Massa - Não [risos]. Sempre andei muito bem lá, mesmo antes da F-1. Ganhei corrida de F-Chevrolet, é tipo o quintal de casa. Cresci lá, era a pista em que mais treinava. São muitos detalhes, manhas da pista, quanto mais anda, mais aprende. Mas acho que a pista sempre teve muito a ver com meu estilo de pilotagem, o jeito das curvas. Não sei, é difícil explicar porque se encaixa tão bem comigo.

E o fato de ter a torcida ali apoiando também ajuda?
Muito, demais. A pressão sem dúvida é alta, mas você consegue usar a torcida como uma energia extra. É como diz o ditado: quando a gente joga em casa, joga melhor.

Já está preparado para se despedir disso tudo?
Estou. Lógico que vai ser uma corrida muito especial, uma das mais especiais da minha carreira. Por estar me despedindo da F-1, que é o sonho de todo piloto, sem dúvida vai ser especial. Vou lembrar para o resto da minha vida.

É frustrante chegar para esta despedida com um carro que possivelmente não te colocará nem na briga pelo pódio?
É, lógico. Gostaria de entrar para uma despedida pelo menos com chance de tentar o pódio, mas a gente sabe que vai ser uma tarefa muito difícil. Com o carro de hoje, a posição no campeonato... Mas vou fazer o meu melhor e tentar fazer uma boa corrida.

Victor R. Caivano -22.out.2006/Associated Press
Felipe Massa festeja após vencer pela primeira vez o GP Brasil, em 2006
Felipe Massa festeja após vencer pela primeira vez o GP Brasil, em 2006

O que é melhor em Interlagos?
Tudo é especial. O público, o quanto as pessoas são calorosas, cantam, gritam. E a pista. É um circuito curto, mas que tem de tudo. Tem muita chance de ultrapassagem e as corridas em Interlagos sempre são especiais, muita coisa acontece, a chuva... Tem tudo. Você acaba juntando muita coisa ao mesmo tempo.

O que é pior em Interlagos?
Não tem nada de ruim. Mesmo o trabalho a mais que a gente tem por correr em casa (que acho que neste ano vai ser o triplo pra mim, por causa da despedida) é bacana.

Qual foi seu melhor GP Brasil?
Foi em 2006, porque foi minha primeira vitória [em casa]. Quando você ganha num lugar em que você cresceu, que já foi na arquibancada torcer para outros brasileiros e sempre sonhou em correr ali... Poxa, chegar ali representando o Brasil e vencer É como um título.

Se você olhar como o Senna comemorou quando ganhou aqui e comparar com a comemoração dos títulos vai ver que ele ficou muito mais feliz em ganhar em casa. Isso mostra o quão especial é ganhar em Interlagos. E, no meu caso, aconteceu tudo de maneira perfeita, venci com as cores do Brasil [Massa foi autorizado pela Ferrari a usar um macacão verde e amarelo], em um momento importante para mim.

Venci de novo em 2008, quase ganhei em 2007, mas cedi a vitória para o Kimi [Raikkonen] ser campeão. Fora todos os pódios, o que eu consegui pela Williams [terceiro, em 2014] foi como uma vitória para mim. Mas a de 2006 foi mesmo a realização de um sonho.

E qual foi o seu pior GP Brasil?
Acho que a minha primeira corrida foi bem ruim. Acabei abandonando. E a última, no ano passado, na qual fui desclassificado. Não é uma boa memória.

E 2008? O que você guarda daquele ano?
Ah, foi uma corrida espetacular da minha parte. Larguei na pole, ganhei a corrida, fiz a melhor volta, fui o mais rápido na chuva, no seco, em todas as condições e na luta pelo título, então estava totalmente preparado para aquela luta. Entrei de cabeça erguida e fiz um trabalho perfeito. Não perdi o campeonato ali, foi antes.

Você lembra dos detalhes daquele final de corrida ou ficou tudo confuso na sua cabeça?
Lembro de tudo, 100%. Eu cruzei a linha de chegada e não sabia o que estava acontecendo atrás. Com a chuva, com tudo, fiquei meio tenso e nem comemorei direito a vitória, esperando a informação do que estava acontecendo ali atrás. Lógico que na minha cabeça tudo podia acontecer por causa das condições do tempo. E aí veio a notícia de que o Hamilton tinha passado o [Timo] Glock e aí, paciência. Foi um momento de alegria e tristeza.

E este intervalo de pouco mais de dois minutos se alongou na sua percepção ou foi tudo muito rápido?
Demorou bastante. Aí eu já estava saindo do S do Senna.

Passado um tempo desde que você anunciou a aposentadoria, está feliz com sua decisão?
Eu estou. Feliz e honrado por tudo que passei na carreira, estou totalmente preparado para o próximo passo na minha carreira, sim. Lógico que não é fácil porque no esporte você acaba se aposentando muito novo.

Já sabe qual será este passo?
Já tenho algumas ideias. Mas vou levar com calma, nada está decidido. Estou conversando sobre outros campeonatos, mas ainda não fechei nada. Para falar a verdade sempre tive muita pressa nas decisões durante toda minha carreira e acho que agora não é hora de ter pressa e sim pensar em fazer a coisa certa. Mas que eu vou continuar correndo eu vou.

Ficou feliz com a reação das pessoas?
Fiquei. Tive um carinho enorme, não só dos fãs, mas das pessoas de outras equipes, de jornalistas, o paddock todo me deu um carinho enorme. Em todos os países os torcedores também foram muito legais.

Do que você mais se orgulha na sua carreira?
De tudo que eu consegui conquistar. Faz 15 anos que estou na F-1 e a única coisa que me faltou foi o título mesmo. Acho que fui o piloto que chegou mais perto na história. Cheguei muito mais longe do que eu imaginava quando era criança. Tive momentos maravilhosos e outros difíceis, mas é o que acontece na vida. Sou realizado.

O que mais vai sentir falta?
De guiar o carro mais bacana do mundo. O resto vou passar sem numa boa. Mas a falta de guiar um F-1 não vai ter como. Mas estou pronto para isso.

Vanderlei Almeida - 2.nov.2008/AFP
O piloto Felipe Massa, da Ferrari, vence o GP do Brasil em 2008
O piloto Felipe Massa, da Ferrari, vence o GP do Brasil em 2008