NA TV (OU INTERNET)

Quem gosta de 'Game of Thrones' e se choca com mortes não captou a série

LUCIANA COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

Um gaiato se passando pelo escritor George R.R. Martin se desculpou por meio do Twitter após o final da quinta temporada de "Game of Thrones". Minutos depois, porém, emendou, evocando o slogan da série: "Mas qual parte de 'todos os homens devem morrer' vocês não entenderam?".

É brincadeira, mas o autor do tuíte tem razão. Quem acompanha "Game of Thrones" há cinco anos, tendo ou não lido os livros, e ainda se choca com a morte de personagens populares não captou o espírito fatalista da série.

O pacto entre autor e espectador exige que o segundo entenda que a jornada dos heróis de Martin pode ser (e frequentemente é) interrompida de forma horrível e abrupta, não raro associada a alguma forma de traição.

Foi assim com Ned Stark (Sean Bean) na primeira temporada, decapitado após receber uma promessa de perdão; foi assim com Robb Stark (Richard Madden) na terceira temporada, morto pelos convidados de seu casamento; foi assim agora na quinta, com Jon Snow (Kit Harrington) –supostamente um bastardo Stark–, assassinado pelos próprios comandados diante de uma cruz de "traidor".

Como nas vezes anteriores, o idealismo provou-se fatal. Diferentemente delas, porém, a morte de Snow, o bastardo que não sabia de nada, o comandante que optou pela conciliação e parecia a esperança final para Westeros, foi uma cena de delicadeza ímpar (a inspiração é o assassinato do imperador Júlio Cesar por seus pares e seu filho adotivo, Brutus, no Senado romano, em 44 a.C. –quase dá para ouvir um "Até tu, Olly?").

Já seria bom se fosse só isso, mas Martin, seus corroteiristas e os diretores fizeram bem mais para chacoalhar uma série que andou sem rumo na temporada anterior. A mãe-dos-dragões Daenerys (Emilia Clarke) foi largada no meio do nada, sem súditos e com um dragão moribundo; a poderosa Cersei foi humilhada perante o reino e Stannis (Stephen Dillane) aparentemente morreu (a edição não deixa claro onde Brienne acerta a espada). Isso sem falar na cegueira punitiva de Arya (Maisie Williams), outra reviravolta que, com o perdão do trocadilho, ninguém viu chegar.

Ao matar um de seus dois possíveis messias, desterrar a outra e colocar em situações igualmente ruins seus dois principais vilões (ao menos no momento), "Game of Thrones" mostra que qualquer um pode vir a ser o salvador de que Westeros precisa ou se revelar o pior dos vilões, algo sempre eficaz para manter uma narrativa viva. Mais ainda agora, que série de TV e série de livros chegaram, em larga medida, ao mesmo ponto.

O caminho, agora, parece ser a crescentemente tensa oposição entre religião e laicismo, seja com o avanço dos fanáticos em King's Landing; seja com o fracasso da bruxa Melisandre (Carice van Houten) ou mesmo com a presença sobrenatural (finalmente!) dos White Walkers.

É bom ter em vista, também, que a seleção natural na série privilegia não os mais nobres, mais bem intencionados nem os mais fortes, mas sim os mais pragmáticos -ponto para Tyrion (Peter Dinklage). Ao espectador, cabe não se irritar. Construir favoritos para imediatamente depois destruí-los pode parecer cruel, mas é exatamente o que torna a história verossímil.

GAME OF THRONES
DIREÇÃO Michael Slovis
ELENCO Emilia Clarke, Peter Dinklage, Kit Harington
PRODUÇÃO EUA, 2015 (5ª temporada)
ONDE dom., às 22h, na HBO Max
AVALIAÇÃO muito bom