Camisa usada por Pelé na Copa do Mundo de 1970

Camisa usada por Pelé na Copa do Mundo de 1970 Adriano Vizoni/Folhapress

Evolução do Futebol

Capítulo 2
Negócios

Crescimento do Mundial atraiu a corrupção

Direitos de transmissão transformaram torneio em maior fonte de receita da Fifa e foram desviados por cartolas

Eduardo Geraque
São Paulo

Em 1954, a recém-criada Eurovisão, rede inglesa de TV, quis exibir alguns jogos do Mundial da Suíça e pagou à Fifa, em valores atualizados pela inflação, US$ 23,3 mil (R$ 85,6 mil) para fazer as primeiras transmissões ao vivo da história das Copas.

O acerto deu início à bola de neve que se tornou o valor das negociações de direitos de transmissão do Mundial, hoje a principal fonte de renda da Fifa com o torneio.

A entidade faturou US$ 6,3 milhões (R$ 23 milhões) com o torneio suíço, segundo Max Gehringer em sua obra "A Grande História dos Mundiais", escrita após pesquisa em jornais da época.

Sessenta anos depois, no Mundial de 2014, no Brasil, a entidade arrecadou US$ 5,1 bilhões (R$ 18,7 bilhões) com o Mundial. Desse total, US$ 3,2 bilhões (R$ 11,8 bilhões) foram oriundos da venda de direitos de transmissão do evento.

O volume de dinheiro movimentado no Mundial, cada vez maior, é resultado do crescimento da competição.

Primeiro, graças ao aumento do número de participantes. Em 1982, o torneio passou a ter 24 seleções em vez de 16. Desde de 1998 é disputado por 32 seleções. A partir de 2026, a competição passará a ter 48 equipes.

Joseph Blatter, ex-presidente da Fifa, banido do futebol por envolvimento em escândalo de corrupção na entidade
Joseph Blatter, ex-presidente da Fifa, banido do futebol por envolvimento em escândalo de corrupção na entidade - Christophe Ena - 19.dez.2014/Associated Press

Segundo, devido a expansão geográfica das sedes. Antes de chegar à Ásia em 2002, com o Mundial da Coreia do Sul e do Japão, os EUA receberam pela vez a competição em 1994.

Neste século, além da Ásia, a Copa chegou à África e voltou à América do Sul após mais de 35 anos.

Se todos esses dados explicam o faturamento bilionário da dona da Copa, também mostram como a entidade abriu suas portas para a corrupção. Para ser mantido, o padrão Fifa precisa de governos e do setor privado.

"A grande corrupção no futebol começou com a cobertura televisiva e a oportunidade de atrair patrocinadores", diz Bruce Bean, professor de Direito da Universidade do Estado de Michigan (EUA).

De acordo com a Justiça dos EUA, os contratos de direitos de transmissão e de marketing da Fifa alimentavam negociações escusas entre cartolas e empresários.

As empresas que intermediavam as vendas dos torneios para redes de televisão e patrocinadores pagavam propina aos dirigentes esportivos, revelaram as investigações. Em troca, os cartolas facilitavam os negócios entre a Fifa e as corporações envolvidas.

Para o especialista em grandes entidades internacionais, dados indicam aumento dos casos de corrupção relacionados aos Mundiais a partir de 1974, na Alemanha.

A popularidade adquirida pela competição também tornou-a objeto de desejo de países que buscam aumentar seu prestígio no cenário geopolítico internacional, casos de Brasil, Rússia e Qatar -sedes das Copas do Mundo de 2014, 2018 e 2022, respectivamente.

Na Copa do Mundo do Brasil, o legado é mínimo e a maior parte das arenas ficaram vazias depois da euforia do Mundial. O que não significa que os números registrados no evento foram negativos.

O índice de ocupação dos estádios de mais de 98% é um dos mais altos da história das Copas. A média de público de mais de 53,5 mil pessoas fica atrás apenas da Copa do Mundo dos Estados Unidos.

Nem sempre o sucesso de público ocorria no passado, ainda mais quando as seleções europeias frequentavam estádios de outros continentes, como África do Sul, Coreia do Sul ou Brasil (em 1950).

O Maracanazo tem até hoje o maior público oficial de uma partida de Copa do Mundo. Oficialmente, estiveram presentes na derrota do Brasil para o Uruguai 173.850 pessoas.

No entanto, em São Paulo, o público era apenas regular. A média no Pacaembu foi de 25.266 pessoas em 1950, bem abaixo da capacidade do estádio na época (60 mil torcedores), mesmo com ingressos a R$ 15, em valores atualizados.

Desde então até a final do Mundial voltar ao Maracanã, as curvas de público, faturamento e audiência só subiram.

Na Copa do Mundo da Rússia, porém, nem tudo vai bem para os cofres da Fifa.

"A entidade ainda não conseguiu atingir o mesmo nível de contratação de patrocinadores que antes", afirma Rob Wilson, especialista em negócios do esporte na Universidade Sheffield Hallam, na Inglaterra.

Para ele, isso é um sinal claro de que os escândalos de corrupção estão impactando os negócios envolvendo a Copa.

"Antes, a Fifa encontrava patrocinadores muito rápido, sempre dispostos a pagar preços altos", diz Wilson.

Apesar disso, de modo geral, as contas da entidade não acusam um golpe significativo.

"O ano de 2018, se os valores previstos pela Fifa se confirmarem, poderá ser o de maior receita da história", diz Pedro Daniel, especialista em finanças do futebol da BDO Brasil.

Em um esforço para deixar no passado os escândalos que envolveram a gestão de Joseph Blatter à frente da Fifa, seu sucessor, Gianni Infantino, deu início a um processo de reforma da entidade.

Em 13 junho, um dia antes do início da Copa, o Congresso da Fifa definirá a sede do Mundial de 2026. A candidatura favorita é encabeçada pelos EUA, em conjunto com Canadá e México. Marrocos é o azarão na disputa.

"Se o [presidente da Fifa, Gianni] Infantino crê que poderá aplacar o Departamento de Justiça dos Estados Unidos levando a Copa para lá em 2026 ele ficará muito desapontado", afirma Bean, da Universidade de Michigan (EUA).

O foco completamente "irresponsável e corrupto da Fifa vai continuar" diz o especialista americano, apesar de o espetáculo dentro de campo ser cada vez mais popular.