Viver com a doença

Médico sugere terapia, mas professor de história prefere abrir bar de rock

Keiny Andrade/Folhapress
Temas - SAO PAULO - 01.08.2017 - ESPECIAL ESCLEROSE - FOLHA TREINAMENTO TREINEE - Retrato de Manfredo Kolya, 48, paciente com esclerose múltipla que recebeu indicação para fazer terapia, mas optou por abrir um bar de rock em Itapevi e leva o negócio como um hobby que o ajudar a não cair em depressão por conta da doença. Foto: KEINY ANDRADE/FOLHAPRESS
O professor Manfredo Kolya, 48, no bar de rock em Itapevi (SP) que reabriu após diagnóstico da doença

LETÍCIA NAÍSA
DA EDITORIA DE TREINAMENTO

"Se eu tivesse câncer, seria mais fácil entender o que eu tenho", diz o professor de história Manfredo Kolya, 48. Quem o vê fumando na porta de seu bar, na cidade de Itapevi (SP), não imagina que ele foi diagnosticado com outra doença grave, a esclerose múltipla, em março de 2015.

Kolya é um ponto fora da curva: a patologia atinge principalmente mulheres brancas em idade fértil. "Eu imaginei que fosse algo relacionado a demência, essa era minha preocupação", conta.

Antes de entender a doença, ele temia não reconhecer o rosto de sua esposa, Nanci Kolya, 49, dos três filhos, e do neto. Depois do diagnóstico, descobriu que se trata de uma doença autoimune, ou seja, que seu corpo pratica uma espécie de autossabotagem, e que não tem cura. No caso da esclerose múltipla, o sistema imunológico ataca o sistema nervoso central.

O tipo de esclerose múltipla que Kolya tem é o mais comum, chamado de recorrente-remitente. Isso significa que seus sintomas, como fadiga, tontura e visão turva, vão e voltam. "Tenho vários dias não bons e outros bons", diz.

Pensando nos dias "não bons", sua esposa sugeriu que ele reabrisse o Expresso Rock Bar –um espaço de rock que tiveram por um ano e meio. Fecharam em 2012, diz, por sobrecarga de trabalho. Nessa época, Kolya dava aulas nas redes pública e privada de ensino.

Foi por conta da correria que ele ignorou os primeiros sintomas da esclerose múltipla. Achou que a tontura, o cansaço e a visão dupla fossem sinais de labirintite e automedicou-se. Em poucos dias, melhorou.

Três anos depois, os sintomas voltaram mais fortes e ele não conseguiu andar da cama até o portão de casa. Kolya foi levado ao hospital com suspeita de AVC. Depois de 21 dias de exames e consultas, a ressonância magnética possibilitou o diagnóstico de esclerose múltipla.

Desde que descobriu a doença, foi afastado das escolas onde lecionava e passou a cuidar da logística do bar reinaugurado em outubro do ano passado.

Kolya foi aconselhado a procurar ajuda psicológica quando recebeu o diagnóstico, mas se recusou porque não queria tomar mais remédios. Hoje, faz acompanhamento semestral com um psiquiatra e chama seus clientes de terapeutas. "Se eu pagar alguém toda semana para contar minha vida, vai ser tedioso", diz Kolya, que trabalha recebendo os clientes e dando informações na porta do bar.

Nos últimos anos, sua mobilidade piorou e ele não consegue caminhar mais do que 50 metros sem se cansar. Por isso, ano passado comprou um triciclo, que é muito mais prático do que um carro, diz. Kolya usa o triciclo para viajar, ir à padaria e repor o estoque de bebidas do bar.

Ano que vem, Kolya precisa renovar sua habilitação e teme perder o direito de conduzir o triciclo. "A esclerose múltipla me tirou dois prazeres: dar aula e dirigir", diz. "Gostaria de parar de fumar também, mas a doença já me tirou tanta coisa", lamenta enquanto acende mais um cigarro.