Pesquisa

Estudos exploram "rota das células" para desvendar esclerose múltipla

LOBO BRAGA
DA EDITORIA DE TREINAMENTO

Todos os dias, seis pesquisas acadêmicas sobre esclerose múltipla são publicadas em periódicos científicos. Levantamento feito a pedido da reportagem pelo estatístico Estêvão Gamba, na base de periódicos "Web of Science", revela uma publicação média de 2.040 estudos sobre a doença por ano desde 2010. Nos últimos seis anos, houve aumento de 63% nas publicações anuais.

Os caminhos pesquisados para tentar deter a doença variam, mas parte dos pesquisadores está apostando na tentativa de desvendar as rotas das células de defesa (linfócitos) no organismo.

"Há uma tendência na ciência de buscar compreender o tráfego dessas células", afirmou à Folha o neurocientista Fabian Docagne, do Inserm (Instituto Nacional da Saúde e da Pesquisa Médica), da França. Segundo ele, a clareza sobre o percurso é fundamental para o desenvolvimento de novas drogas.

Docagne lidera um estudo que analisa o acesso de linfócitos à barreira hematoencefálica –"porta" que regula a entrada de moléculas no sistema nervoso central. É essa estrutura que evita as agressões à mielina, camada responsável pela condução dos impulsos nervosos.

A equipe francesa desenvolveu um anticorpo (glunomab) que "fecha" a barreira, impedindo os ataques. O estudo está em fase inicial, com testes em camundongos. Funciona assim: a barreira tem um receptor (NMDA) que, quando ligado a uma proteína específica (tPA), abre a "porta" do sistema nervoso para as células de defesa que o atacam. O anticorpo impede o contato do receptor com a proteína, fechando a "porta".

OUTROS MECANISMOS

A técnica difere, por exemplo, da estratégia de intervir no sistema imune do paciente para reduzir o ataque das células de defesa ao próprio organismo. Esse mecanismo é usado no natalizumabe, princípio ativo do tratamento da doença.

Atualmente aplicada em terapias contra o câncer, a cladribina, outra substância, teve sucesso em testes de esclerose múltipla em humanos por reduzir a quantidade de células imunes no organismo diminuindo, consequentemente, os ataques ao tecido nervoso.

Outra linha de pesquisa para a preservação do sistema nervoso central tem como foco os linfonodos, pequenos órgãos por onde os linfócitos (células de defesa) passam em sua circulação pelo organismo. Drogas em teste travam estas células nos linfonodos, evitando que elas agridam, posteriormente, o cérebro e a medula.

É o caso da substância ozanimod, em estudo dirigido pelo laboratório americano Celgene com resultado parcial divulgado pela empresa no último mês de maio. Com mais eficácia do que a já existente betainterferona (proteínas que reduzem inflamações causadas pela esclerose múltipla), o medicamento deve passar por mais uma fase, antes que seus dados possam ser apresentados à FDA (agência americana que regula medicamentos).

A ação dentro do sistema nervoso central também é uma técnica utilizada pelos cientistas no combate à patologia. Quando as células imunes chegam ao cérebro ou à medula, elas atingem especificamente a bainha de mielina.

Atualmente, a farmacêutica Biogen testa em pacientes a droga anti-lingo-1, que bloqueia a proteína lingo, presente nas células fabricantes de mielina. A interrupção do funcionamento dessa proteína pode ser uma saída para o reparo da mielina, o que trataria sintomas da esclerose múltipla.

A doença, hoje, não tem cura. E, apesar de já existirem tratamentos no mercado para segurar a progressão da esclerose, a criação de novas terapias é necessária. O problema, diz o vice-presidente de Pesquisa da Sociedade Nacional da Esclerose Múltipla, dos EUA, Bruce Bebo, é que os tratamentos que existem hoje não servem para todos os pacientes.