INTRODUÇÃO

Estudantes nota mil mostram engajamento e repertório cultural

DANIELA MERCIER
DANIELE BELMIRO
DE SÃO PAULO

Escrever sobre a persistência da violência contra mulheres na sociedade brasileira não foi difícil para a paulistana Ana Moioli, 18. Leitora voraz e autora de crônicas e de uma peça de teatro, ela vivenciou a discussão sobre preconceito e desigualdade de gêneros em um coletivo feminista formado na escola.

Questões de gênero também são frequentes no blog que Luana de Sena, 19, mantém desde 2011. "Feminista que sou, tentei falar com a propriedade que os anos de discussões me deram", conta a jovem de Natal.

A familiaridade com o assunto ajudou. As duas estudantes ficaram entre os 104 candidatos nota mil na redação do último Enem, em 2015. A Folha conversou com nove deles, de diversas partes do Brasil, e enviou seus textos para a análise de professores.

As redações apresentadas neste especial foram fornecidas à reportagem pelos próprios candidatos, que guardaram um rascunho da prova. Podem, portanto, apresentar algumas divergências em relação ao texto que foi efetivamente corrigido pelo Inep, instituto do Ministério da Educação responsável pelo exame.

O órgão deve divulgar aos alunos a cópia da correção dos textos. Segundo a assessoria de imprensa do Inep, porém, ainda não há data para isso ocorrer.

PROPOSTA

Como nos anos anteriores, o principal exame de seleção para as universidades públicas do país exigiu dos estudantes uma posição crítica sobre um problema social. Foram cerca de 5,6 milhões na edição passada.

"A informação é imprescindível", afirma Cristina Ferreira, professora de redação do Colégio Marista Arquidiocesano de São Paulo. "O aluno não pode sugerir uma lei que já exista ou uma ação que não tenha dado certo."

A importância do repertório também é ressaltada por Davi Fazzolari, professor do colégio Visconde de Porto Seguro. Para ele, o tema do ano passado exigiu um "olhar histórico" dos candidatos.

"Muitos se confundiram ao tentar discutir se existe ou não a violência contra a mulher no Brasil. A questão era que a violência 'persiste', e o aluno tinha que responder por quê", explica.

CITAÇÕES

Nos textos campeões, não faltaram referências a ícones feministas, como a francesa Simone de Beauvoir (1908-1986), a inglesa Mary Wollstonecraft (1759-1797) e a chilena Isabel Allende.

O estudante Fábio Lopes Júnior, 19, de Assu (RN), foi além do comum e ironizou uma letra de funk na redação "Dói, um tapinha dói". Filho de uma empregada doméstica e de um vendedor de materiais, ele diz que tentou "evitar rebuscamentos" no texto que o ajudou a conquistar uma vaga no curso de medicina na UFRN.

Já Raphael de Souza, 20, de Niterói (RJ), apostou nas leituras de filosofia e sociologia. "Sabia que a intertextualidade é uma competência valorizada na prova", diz o estudante, que conseguiu a nota mil pelo segundo ano consecutivo e passou em medicina na UFRJ.

Marcos Magri, professor da Adaptativa, afirma que a menção a intelectuais e informações históricas é importante para elevar a nota dos estudantes que já escrevem bem. Antes disso, diz, é preciso dominar a estrutura do texto e apresentar informações coerentes com a proposta.

"O objetivo principal do Enem é ver se as pessoas conseguem refletir sobre suas realidades, e não se elas são grandes eruditos."

Veja a prova de redação do Enem 2015:

Editoria de Arte/Folhapress
Redação do Enem 2015
Redação do Enem 2015