Usuários do metrô embarcam e desembarcam das portas dos vagões na estacão da Sé, no centro de São Paulo - Foto Julio Bittencourt/Folhapress

E agora, Brasil? - Transporte urbano

Um diagnóstico do transporte urbano, os problemas e as propostas vindas de pesquisas, dados nacionais e internacionais e análises

Capítulo 4
Aplicativos

Aplicativos já são vistos como ameaça ao transporte público

Nos EUA, prefeitura de Chicago afirma ter perdido receita com menos passageiros de ônibus e San Francisco estuda fenômeno; empresas de apps não veem risco

Fabrício Lobel
São Paulo

A explosão do serviço de transporte por meio de aplicativos tem gerado uma nova preocupação em algumas cidades pelo mundo.

Se antes esses serviços disputavam clientes com táxis, cada vez mais surgem indícios de que essa competição também possa estar afetando o transporte público coletivo.

O receio é que, devido aos preços competitivos ou a comodidade, parte dos passageiros habituados a usar os sistemas de ônibus, trens e metrôs tenha passado a fazer viagens usando os aplicativos.

Entre os efeitos, estariam a perda de receitas com passagens e uma mobilidade mais ineficiente para as cidades cada vez mais cheias de carros.

As empresas de aplicativos que atuam no Brasil, como Uber, 99 e Cabify, discordam.

Um dos estudos que levanta a tese da fuga de passageiros do transporte público para os apps foi realizado pela Universidade da Califórnia.

A pesquisa entrevistou passageiros de aplicativos e concluiu que de 49% a 61% das viagens realizadas pelo serviço poderiam ser evitadas, feitas a pé, de bicicleta ou por transporte público coletivo.

Quem está pesquisando o mesmo fenômeno é uma agência estatal da cidade de San Francisco, nos EUA.

Um levantamento inicial no aeroporto local constatou aumento de deslocamentos feitos por aplicativos, enquanto o transporte público perdeu força. A ideia até o fim do ano é entender se o fenômeno acontece em toda a cidade.

Em Nova York, autoridades disseram que, ao menos em parte, a queda do número de passageiros no metrô em 2016 se deve à migração para os aplicativos. O sistema metroviário da cidade norte-americana sofre com atrasos e transtornos com obras.

Em Chicago, a prefeitura chegou a alegar que havia perdido receita devido à queda de passagens pagas nos ônibus.

Os estudos internacionais mostram uma tendência já esperada, segundo Letícia Bortolon, coordenadora de políticas públicas do ITDP (Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento, na sigla em inglês). "Obviamente, o caos no trânsito não se dá pelos aplicativos, mas eles corroboram um desenho de cidade que existe há décadas, que é centrado no automóvel."

Para ela, a mesma lógica pode estar vigorando também no Brasil. Juciano Rodrigues, do Observatório das Metrópoles da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), concorda e argumenta que os aplicativos deveriam pagar pela ocupação das ruas. Para ele, o sucesso dessa modalidade deve-se também à falta de sistemas de transporte públicos seguros, confortáveis e eficientes nas cidades brasileiras.

O estudo da Universidade da Califórnia sugere que os veículos por aplicativos podem ter um papel importante e sustentável na mobilidade. Porém, são necessárias ações públicas que os integrem aos meios já disponíveis.

Outra questão é ampliar a abertura dos dados dos apps. Hoje, sob a justificativa de protegerem informações dos usuários, empresas travam batalhas em cidades do mundo para não divulgar dados que poderiam ser úteis ao trânsito.

A ausência de informações sobre os apps no Brasil ainda é uma barreira para a realização de análises precisas. A maioria das prefeituras ignora qualquer dado sobre o tráfego causado pelos aplicativos.
Na cidade de São Paulo, por exemplo, após uma regulação em 2016, o máximo que se sabe são os quilômetros rodados por cada uma das empresas.

As companhias Uber, 99 e Cabify negam que suas plataformas causem competição com o transporte público. Segundo as três, estações de metrô, trens e ônibus estão entre os destinos mais frequentes de suas corridas, mostrando o que seria uma complementação ao serviço de transporte coletivo.

A Uber informa que a maioria de suas corridas ocorre à noite, quando a oferta de transporte público é menor. A 99 afirma que já fez parcerias com linhas metroviárias para incentivar conexões. A Cabify diz que pretende compartilhar dados com prefeituras para melhorar o sistema viário.