Opinião

Tenho dó de Ceni por ter de jogar os últimos anos com elencos anêmicos

DAIGO OLIVA
EDITOR-ADJUNTO DA "ILUSTRADA"

Tenho pena de Rogério Ceni. Maior ídolo da história são-paulina, vencedor de quase tudo que disputou, o goleiro foi condenado a jogar os últimos anos de sua carreira ao lado de elencos anêmicos.

Quem acompanha os vídeos de bastidores das partidas do São Paulo sabe o quanto se dedicava a passar aos jogadores seu vício por vitórias.

É essa mesma obsessão que o impediu de parar anos antes, na esperança de vencer mais um título. O fim –melancólico, machucado, apenas assistindo ao jogo por uma vaga na bacia das almas da Libertadores–, porém, não apaga o percurso singular do goleiro que foi um alento ao futebol pasteurizado.

Se citar os gols e a habilidade para jogar com os pés soa óbvio, Ceni foi o último jogador cuja biografia está entrelaçada a apenas um time, o que explica também o ódio que provoca nos rivais.

A devoção ao clube e a forma como se tornou a personificação do São Paulo soberano –e soberbo– asfixiou qualquer possibilidade de ser visto com carinho fora do Morumbi.

Enquanto Marcos, lendário goleiro do Palmeiras, é recebido como o interiorano bonachão, que qualquer um gostaria de convidar para um churrasco, Ceni é o compulsivo que treina, treina, treina e só quer ganhar, ganhar e ganhar. Mas sempre pelo São Paulo.

Articulado, sua fala muitas vezes foi interpretada como a de alguém que se expressa calculadamente para agradar ao torcedor. Mas Ceni nunca se furtou de ser objetivo, crítico e apaixonado pela instituição que representa.

Ainda que hoje não existam dúvidas de que Denis e Renan têm condições técnicas para herdar o posto, fora do campo, no entanto, nenhum são-paulino mostrou o apetite e o inconformismo do capitão.

Toda vez que a torcida vaia o time, o nome gritado é o de Lugano, que deixou o clube em 2006. Agora, Ceni será lembrado da mesma forma.

A maior dificuldade que o São Paulo enfrentará não será o retorno ao caminho dos títulos, mas como superar a figura criada pelo goleiro. O time enfim saberá se a presença de Ceni inibia lideranças ou se descerá ladeira abaixo sem alguém para martelar o óbvio: ser campeão é maravilhoso.

De todas as preleções, a que mais gosto é uma em que incorpora o cotidiano do torcedor. Ali, ele lembrava a cada jogador que a vitória do time muda o dia seguinte de quem está na arquibancada.

Obrigado por fazer tantas segundas e quintas-feiras melhores em minha vida, Mito. Você fez este são-paulino feliz.