Fominha

Ceni jogava mesmo machucado e frustrou reservas

Rogério Ceni ficou 201 jogos no banco de Zetti até sua oportunidade como camisa 1 do São Paulo chegar, em 1997.

Como titular da equipe, 23 reservas passaram pelo clube –desses, apenas 12 tiveram a oportunidade de entrar em campo em algum jogo.

A Folha conversou com alguns deles, que relembraram os tempos de São Paulo e a relação com Ceni. Em todos os depoimentos, dois pontos em comum: o respeito pelo ídolo são-paulino e a dificuldade que tinham para conseguir uma oportunidade de se mostrar. Segundo eles, Ceni jogava até machucado.

Único reserva a ameaçar o posto de Ceni, Roger chegou ao São Paulo em 1997, após a saída de Zetti. Naquele ano, o ídolo começava sua trajetória de titular, e Roger veio de boa temporada no Flamengo, com vontade de conquistar a posição.

"Eu estava na crista da onda, naquela vontade de jogar e vim para o São Paulo", diz o ex-jogador, hoje assessor da secretaria estadual de Transportes do Rio de Janeiro. Para Roger, Ceni já saía na frente por ser cria do clube, mas ele mantinha confiança.

Roger afirma que Ceni jogava até machucado para não dar brecha aos concorrentes, o que em certos momentos o chateava. Ele chegou a se perguntar "por que deixar ele [Ceni] machucado e não me colocar?".

Apesar do incômodo, Roger diz que passou a enxergar a atitude de Ceni como respeitosa. "Depois que veio a maturidade, notei que era até um respeito por mim, pela [minha] qualidade, pela [minha] capacidade, por não querer que [eu] entrasse e ocupasse o espaço".

Paulo Sérgio, goleiro que chegou ao São Paulo em 1993, veio do Ituano para disputar a Copa São Paulo na reserva de Ceni. Naquele ano, o futuro ídolo já treinava com os profissionais, mas jogava com os juniores.

Depois do torneio, Paulo Sérgio voltou ao Ituano por empréstimo, mas retornou ao São Paulo no ano seguinte para ser terceiro goleiro, reserva de Zetti e Ceni.

Hoje prefeito de Hidrolândia (GO), o ex-goleiro também lembra da presença constante de Ceni, que mesmo machucado não dava chance para os reservas. Para Paulo Sérgio, o comportamento era resultado do exemplo passado por Zetti.

"Sentimos isso na pele com o Zetti, que também era assim. Não dava espaço nem para o Rogério nem para mim. Então ele [Ceni] aprendeu isso, o profissionalismo de não querer dar espaço para ninguém. Não é questão de ser fominha, ele estava defendendo a posição dele", diz.

"Em várias vezes que era para eu jogar, [Ceni] jogou mancando, com algum problema. Mas eu encarava isso com naturalidade porque, naquela situação, eu faria o mesmo, essa é a grande verdade. Eu acabava tendo poucas oportunidades", explica.

Diferentemente de Paulo Sérgio, o ex-goleiro Alencar, reserva de 1999 a 2002, já chegou ao clube com a expectativa de poucas oportunidades. "Cheguei sabendo que seria difícil jogar, que teria que ter paciência, porque o Rogério já tinha ficado um bom período na reserva do Zetti, tinha aguardado a oportunidade", afirma.

Ciente de sua situação no clube, Alencar, que hoje mantém em Londrina (PR) a escolinha de futebol 01, uma homenagem a Ceni, sabia que só jogaria quando o titular fosse convocado para a seleção ou em casos de lesões mais sérias.

"Teve jogo em que eu fiquei o segundo tempo inteiro aquecendo para entrar, e ele jogando machucado. Também tiveram jogos em que, mesmo antes da partida, ele estava machucado e pediu para jogar", conta.

Apesar disso, Alencar diz entender o lado de Ceni. "Muitos o criticam, dizem que não dá oportunidade, mas acho que ele está no direito dele de não querer sair do gol".

OPORTUNIDADES

Em duas das poucas oportunidades que Ceni deu aos reservas, o São Paulo sofreu algumas das maiores goleadas de sua história.

Em 20 de setembro de 1998, o time tricolor enfrentaria a Portuguesa, no Morumbi, pelo Campeonato Brasileiro. Ceni ficou fora, e Roger teve a oportunidade de aparecer. Naquela tarde de domingo, ele sofreu impressionantes sete gols da Lusa.

"O 7 a 2 foi bem atípico, mas para mim foi muito importante, porque a torcida e o São Paulo reconheceram que eu ainda tinha valor. Poderia ter sido como foi com Alencar contra o Vasco, que depois desse jogo não teve mais oportunidade", lembra o ex-goleiro.

O jogo a que Roger se refere foi outra partida que o torcedor são-paulino não gosta de recordar. No Brasileiro de 2001, o time foi goleado pelo Vasco por 7 a 1, em São Januário. Ceni era o titular, mas, expulso com poucos minutos de partida, deu lugar a Alencar.

Vindo de lesão, o reserva entrou numa fogueira. Falhou no primeiro gol e tomou outros seis. O placar marcante foi um baque forte, e o goleiro não teve outras oportunidades até sua saída, em 2002.

"Em time grande você fica seis a oito meses sem jogar e joga uma partida. Você pode ir mal nessa partida e não tem a oportunidade de mostrar a sua condição. Isso me incomodava", desabafa Alencar.