Pesquisa com dados do IR mostra desigualdade estável de 2006 a 2012
DANIEL MARCONDES
FELIPE GIACOMELLI
MARCO LEMONTE
DA EDITORIA DE TREINAMENTO
A diminuição da desigualdade, uma das principais bandeiras do governo federal, pode não ter sido bem-sucedida. É o que mostra um estudo realizado por três pesquisadores da Universidade de Brasília. Eles constataram que a concentração de renda permaneceu praticamente estável entre 2006 e 2012, contrariando a queda acentuada divulgada pelo IBGE.
Os pesquisadores Marcelo Medeiros, Pedro Souza e Fábio de Castro concluíram que os coeficientes de Gini, usados para medir a desigualdade foram 0,696 (em 2006), 0,698 (em 2009) e 0,690 (em 2012).
Quanto mais próximo de 1, maior é a concentração de renda. Zero significa que todos os habitantes de uma região ganham a mesma quantia, o que não acontece em nenhum lugar do mundo.
O Brasil ocupa a 141ª colocação no ranking da igualdade feito pelo Banco Mundial, na frente de apenas 13 países. A Suécia aparece como país mais igual do mundo, enquanto África do Sul e Seychelles estão nos últimos lugares.
"Nosso estudo mostrou que a desigualdade é maior no Brasil do que se costumava acreditar. E também que a desigualdade permanece estável de 2006 em diante", diz Medeiros.
Os resultados obtidos pelo trio são bem diferentes dos divulgados pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) no estudo "A Década Inclusiva", que teve como base os dados coletados pela Pnad (Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios) de 2001 a 2011, do IBGE.
Para o Ipea, "não há na história brasileira, estatisticamente documentada desde 1960, nada similar à redução da desigualdade de renda observada desde 2001". No período, o Gini teria caído em quase todos os anos até 2011.
A diferença entre os resultados dos dois trabalhos vem da forma como eles usaram os dados referentes à renda. A pesquisa da UnB aplicou uma metodologia que vem ganhando força nos últimos anos, principalmente a partir dos conceitos do economista francês Thomas Piketty.
A renda dos mais ricos é calculada a partir das declarações do Imposto de Renda. Os professores da UnB usaram as Declarações de Ajuste Anual do Imposto de Renda da Pessoa Física (DIRPF) dos 10% mais ricos, nos anos de 2006, 2009 e 2012, e combinaram com os dados da Pnad para os outros 90% da população.
Os pesquisadores acreditam que, mesmo usando o imposto, a renda dos mais ricos pode estar subestimada já que os ganhos de pessoa jurídica não são tributados nas declarações do Imposto de Renda da pessoa física.
Já nas pesquisas usadas pelo Ipea, o entrevistado declara a própria renda e muitas vezes não leva em conta rendimentos além dos salários, como aplicações financeiras.
Medeiros explica que os coeficientes de Gini encontrados pelo seu estudo não devem ser comparados aos divulgados pelo IBGE. Enquanto os pesquisadores da UnB usaram renda bruta para os 10% mais ricos, os dados obtidos pela Pnad se referem a renda familiar per capita de apenas uma amostra da população. Outra diferença é que o trabalho dos três pesquisadores acrescentou a parcela da população que não tem rendimentos.
POBREZA REDUZIDA
Apesar de afirmar que a desigualdade não diminuiu, os pesquisadores da UnB avaliam que as condições dos mais pobres melhoraram. "Não há dúvida de que a renda dos mais pobres aumentou de 2006 a 2012, mas desigualdade e nível de vida são coisas diferentes", diz Medeiros.
Marcio Pochmann, ex-presidente do Ipea, defende que a desigualdade diminuiu porque os mais pobres tiveram um crescimento de renda acelerado no período. "Todos ganharam, uns mais que os outros. Os mais pobres cresceram mais que a média. Eles tiveram empregos melhores, o salário mínimo subiu, tiveram o Bolsa Família", afirma.
Pela pesquisa da UnB, a metade mais pobre da população ficou com apenas 11% do resultado do crescimento entre 2006 e 2012, enquanto o 1% mais rico ficou com 28%.
"Ou seja, cada pessoa da pequena elite formada pelo 1% mais rico da população apropriou-se de uma fração 127 vezes maior do crescimento da renda que as pessoas na metade mais pobre do país", afirma o trabalho.
Organizadora do livro "Trajetórias das Desigualdades", cujo lançamento aconteceu na terça-feira (2), Marta Arretche diz que o estudo de Medeiros, Souza e Castro passa a impressão que não houve avanço na melhora de vida dos mais pobres nas década passada.
"O Gini pode permanecer inalterado, mas não esconde que o Bolsa Família tirou 14 milhões de domicílios da pobreza e que a faixa da população protegida pelo salário mínimo aumentou", explica.
Segundo Arretche, o trabalho da UnB evidenciou as limitações das pesquisas censitárias. "Quando você tem o quadro total e não apenas o dos ricos, você conclui que houve mudanças importantes no Brasil. Ela pode não ser no nível que os cálculos com apenas os dados censitários indicavam, mas houve mudanças", avalia.
Por se tratar de um estudo com uma metodologia nova, ao combinar os dados do Imposto de Renda de parte da população com declarações de renda familiar de uma pesquisa amostral, agora os três pesquisadores da UnB tentam confirmar os achados.
"Estamos confirmando com uma série de outras metodologias os resultados. Até agora tudo indica que estamos certos", diz Medeiros.
CLASSE ALTA NA FAVELA
No Brasil, 7% dos moradores das favelas em 2014 pertencem à classe alta. É o que encontrou uma pesquisa de março do Data Favela, o primeiro instituto especializado nas favelas brasileiras.
Os resultados retratam um país em que, segundo a Pnad de 2013, 52% da população em idade ativa recebia no máximo dois salários mínimos (R$ 1.576). Outros 22% não tinham rendimentos. Apenas cerca de 2% da população ganhava mais que dez salários mínimos (R$ 7.880).
Para fazer parte da classe alta, que engloba as classes A e B, era necessário que a renda familiar per capita estivesse acima de R$ 1.184 em maio de 2014. O levantamento, feito com apoio do Instituto Data Popular e da Central Única das Favelas (Cufa), pesquisou 63 comunidades em nove Estados e no Distrito Federal.