Empresas criam marcas para classe C e preservam grifes de elite
CLÁUDIO GOLDBERG RABIN FELIPE GIACOMELLI DA EDITORIA DE TREINAMENTO
As empresas têm dois pesos e dois preços dependendo da classe social do público-alvo a que se destina uma marca. Os produtos podem ser feitos no mesmo local, ter formatos parecidos, usar os mesmos ingredientes e passar pelas mesmas engrenagens de produção, mas nunca ter o mesmo valor.
O caso da Língua de Gato, chocolate da Kopenhagen, e do equivalente da Brasil Cacau, Gato Mia, ilustra a questão. O primeiro, na caixa com 85 gramas, custa R$ 18,90; já o pacote do segundo, que tem 15 gramas a menos, é vendido por R$ 7,90.
A Língua de Gato tem como foco a classe A e é vendida como "um presente", um "momento especial", enquanto o Gato Mia, que mira a classe C, é visto como uma commodity, o doce do dia a dia.
Embora ambos sejam produzidos na mesma fábrica, em Extrema (MG), não há nenhuma referência que una as duas marcas, controladas pelo grupo CRM. Os ingredientes da massa de chocolate são idênticos: leite em pó importado da Nova Zelândia, uma mistura de cacau plantado na Bahia e outro importado de Gana e açúcar brasileiro.
A origem da diferença de preço começa na conchagem, processo que retira as impurezas e turbina o sabor da massa de chocolate. É o momento mais importante da produção. A massa da Kopenhagen é misturada por 72 horas, enquanto a da Cacau Brasil fica por 24 horas. "O processo deixa o chocolate com sabor mais caramelizado, mais suave", afirma o gerente de produção da fábrica, Adilson Morais. Quanto maior o tempo, mais os gastos com o desgaste do maquinário, energia e funcionários envolvidos.
A proporção dos ingredientes nas receitas também influencia no preço final. "A quantidade de insumos é diferente. Se eu tenho uma receita mais adocicada, aumento o açúcar e abaixo o cacau, o que já resulta em outro custo", explica o especialista no setor Orlando Glingani, ex-diretor de marketing do grupo CRM, hoje fora da empresa. O cacau, cotado em dólar, é mais caro que o açúcar.
Existe ainda a questão da escala de produção. Como há mais lojas da Brasil Cacau (585) do que da Kopenhagen (348), os produtos da primeira ficam mais baratos.
ONDAS DIFERENTES
Assim como o Grupo CRM, a Unilever tem marcas diferentes de um mesmo produto para atingir públicos distintos.
A embalagem do detergente em pó Omo, de 1 kg, custa R$ 7,19 no Pão de Açúcar. Já o Surf, com o mesmo peso, é vendido por R$ 5,35.
O motivo da diferença não é óbvia para o consumidor. As embalagens apontam os mesmos componentes --no Omo, um dos ingredientes, o tensoativo, é biodegradável. "Existem princípios de formulações que todos os detergentes para roupas devem seguir, mas é a presença e intensidade de cada elemento que faz com que cada formulação seja única", diz a Unilever.
Segundo a multinacional, a fórmula do Omo tem mais enzimas e outros ingredientes que agem na remoção de manchas. O Surf prioriza a fragrância.
Os dois detergentes em pó são produzidos nas fábricas da empresa em Indaiatuba, no interior de São Paulo, e em Igarassu (PE).
Criar uma segunda marca é uma estratégia das empresas para atender à ascensão do poder de compra da classe C sem comprometer os produtos "premium".
A operação nem sempre é fácil. Marcos Bedendo, professor de gestão de marcas da pós-graduação da ESPM, lembra o caso do modelo popular lançado pela Mercedes-Benz, o Classe A. "Foi um fracasso. As pessoas ficavam inibidas de entrar na loja, e os vendedores nem sabiam vender um carro mais barato."
Com a expansão da classe C, diz o consultor Jaime Troiano, diferentes grupos da pirâmide social passaram a consumir os mesmos produtos. Acontece que quem está no topo costuma ser fisgado pelos "bens posicionais", conceito que Troiano pega emprestado do economista Eduardo Giannetti para definir a importância de marcas que permitem construir uma identidade social diferenciada. "O crescimento de um novo segmento social forçou a classe A a se refugiar nas marcas de luxo na tentativa de manter o seu status."