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IMPOSTO SOBRE FORTUNAS

Com crise econômica, proposta de taxar os mais ricos ganha força

CAROLINA LINHARES
PHILIPPE SCERB
DA EDITORIA DE TREINAMENTO

Bandeira histórica da esquerda, o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) voltou ao debate político diante da necessidade do governo federal de fazer o ajuste fiscal.

Um estudo do Senado, feito a pedido da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) e concluído em março, calcula que R$ 6 bilhões poderiam ser arrecadados anualmente com o IGF. O valor é próximo aos R$ 5 bilhões que o governo pretende poupar neste ano com a revisão das normas para a concessão do seguro-desemprego.

Vários projetos que propõem a criação do IGF tramitam atualmente no Congresso. No entanto, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, considera o imposto ineficiente, segundo apuração da Folha.

O cientista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria, diz que é pouco provável que o tributo seja aprovado. "Além do poder de veto de um Congresso conservador, um imposto desse tipo sinaliza uma postura contrária ao capital."

O deputado José Guimarães (PT-CE), líder do governo na Câmara, discorda. "É possível que o IGF passe no Congresso, ainda mais em um momento em que é necessário aumentar as receitas".

Em relação à resistência do ministério da Fazenda, Guimarães afirma que a bancada do PT "é independente e tem legitimidade para votar o imposto". Segundo ele, o IGF deve ser incluído na pauta da Câmara a partir de junho, terminadas as votações do ajuste fiscal e da reforma política.

ORIGEM

O Imposto sobre Grandes Fortunas é previsto pelo artigo 153 da Constituição Federal de 1988, mas nunca foi regulamentado por uma lei complementar.

No Congresso, o primeiro projeto para regulamentação do IGF foi apresentado pelo então senador Fernando Henrique Cardoso, em 1989, e chegou a ser aprovado pelo Senado, mas aguarda votação no plenário da Câmara há 15 anos.

Em trâmite há três anos, o projeto de lei complementar apresentado pelo deputado Paulo Teixeira (PT-SP) institui alíquotas entre 0,5% e 1% sobre o patrimônio que for maior que 8.000 vezes o limite mensal de isenção do Imposto de Renda, o equivalente a R$ 15,2 milhões.

"O imposto permitiria reduzir a carga tributária sobre os salários e, portanto, contribuiria para uma sociedade mais justa e generosa", diz o deputado.

EVASÃO FISCAL

Entre os que defendem o IGF, a discussão gira em torno das alíquotas e do patrimônio mínimo a ser tributado. Para Paulo Feldmann, professor de economia da USP, uma alíquota muito alta "pode estimular a evasão fiscal e a fragmentação do patrimônio, além de desestimular o investimento e a produção".

A proposta de Paulo Teixeira lhe parece sensata, "pois com uma alíquota baixa as pessoas não vão buscar outros países para alocar seus recursos".

Amir Khair, especialista em finanças públicas e secretário de Finanças da Prefeitura de São Paulo na gestão de Luiza Erundina (1989-1992), discorda que alíquotas altas provocariam evasão fiscal.

"[A fuga fiscal] pode ocorrer, mas não é relevante", porque em outros países a pessoa estaria sujeita a uma tributação maior do que a brasileira. "Se fizermos a conta, o Brasil é o maior paraíso fiscal do mundo."

DISTORÇÕES

Bernard Appy, ex-secretário executivo e de política econômica do Ministério da Fazenda, vê distorções no sistema de arrecadação, que devem ser corrigidas para reduzir a desigualdade. "Há uma parcela grande da população de classe alta que praticamente não paga Imposto de Renda de pessoa física: os proprietários de empresas."

As empresas regidas pelo Lucro Presumido ou pelo Simples têm seu lucro tributado, porém não há imposição sobre a distribuição dos lucros entre os sócios. Na prática, o imposto pago por um proprietário de empresa é muito menor do que a de um funcionário. Veja a comparação abaixo, feita para um advogado:

Segundo o economista, além de corrigir essa distorção, uma maneira de tornar o sistema tributário mais justo seria aumentar o imposto sobre heranças e doações, que são "muito pouco tributadas no Brasil", onde a alíquota máxima prevista na Constituição é de 8%, "baixíssima comparada à de outros países".

A maioria dos Estados, no entanto, cobra apenas 4%. "Eu acho que a alíquota poderia chegar a algo como 20%, 25%", afirma Appy.

Parlamentares também se mobilizam para aumentar o imposto sobre heranças. No último dia 28, Paulo Teixeira protocolou uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) para que o Senado defina uma alíquota mínima. Dentre as opções de aumento de impostos sobre o patrimônio, a taxação de herança é a mais aceita por Levy.

ARRECADAÇÃO

Khair e Feldmann concordam que a Receita Federal tem plenas condições de aplicar o IGF e que o imposto tem um potencial de arrecadação relevante.

No entanto, não há instrumentos confiáveis para estimar o volume de dinheiro que o novo imposto traria. Como a Receita Federal não divulga os bens declarados por pessoas físicas por faixa de rendimento, "qualquer estimativa é muito grosseira e não conta com bases sólidas", afirma Feldmann.

A proposta de Paulo Teixeira, por exemplo, se baseia em experiências internacionais para estimar arrecadação em torno de R$10 bilhões por ano. Na Argentina, o IGF é responsável por 1,2% do total da arrecadação tributária. No Uruguai, chega a 6,3%. Os impostos, porém, variam conforme o país, veja o mapa:

A projeção de arrecadação calculada no estudo encomendado por Gleisi Hoffmann ao Senado também é imprecisa. O texto usa dados de 2013 da Receita Federal para estimar que 200 mil contribuintes têm patrimônio líquido maior que R$ 5 milhões.

No entanto, a informação da Receita permite saber apenas que 4,32 milhões de brasileiros possuem patrimônio médio de R$ 515,6 mil --e não quantos desse grupo têm mais de R$ 5 milhões e poderiam ser taxados.

RELEVÂNCIA

Independentemente da dificuldade de prever a arrecadação com o IGF, seus simpatizantes apontam outros benefícios em sua aprovação.

Paulo Teixeira afirma que o tributo poderia servir como uma "ponta-de-lança para retomar a discussão sobre a reforma tributária", porque o IGF estaria alinhado com uma proposta de sistema tributário com menor carga sobre o consumo e com maior taxação de "lucros, juros e patrimônios".