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IDOSOS

Em SP, um idoso da classe A e outro da E trocam experiências de vida

Zanone Fraissat/Folhapress
O empresário Luciano Afif, 65, à esq., e o desempregado Sebastião Ferreira Leite, 65, no centro de SP

ADRIANO MANEO LEONARDO NEIVA DA EDITORIA DE TREINAMENTO

Todos os dias, de segunda a sexta-feira, Luciano Afif, 65, deixa sua casa em Moema, bairro nobre da zona sul paulistana, para ir à Punch, sua corretora de seguros, no centro da cidade.

Sebastião Ferreira Leite, 65, ou Tião, como é mais conhecido, não costuma sair com frequência do lugar onde mora. Passa a maior parte do tempo na Morada São João, também na região central de São Paulo, onde vive há mais de três anos. Ele divide um quarto com três outros homens, num asilo da prefeitura para idosos em situação de vulnerabilidade.

Cerca de 1,5 km separa os dois homens, que têm a mesma idade, mas condições sociais opostas. A convite da Folha, eles se encontraram para falar sobre suas vidas.

Luciano chegou ao café no Pateo do Collegio, também no centro, alguns minutos antes do horário marcado para a conversa. Como o motorista, que trabalha para ele há 15 anos, estava doente, o empresário dirigiu seu carro de casa até lá.

Tião, que vive a 2 km dali, chegou pouco depois. Veio caminhando.

FILHOS

Luciano e Tião são unânimes ao afirmar que os filhos são a coisa mais importante de suas vidas.

Luciano tem dois: o mais velho seguiu a carreira do pai e está montando sua própria seguradora e a caçula, de 20 anos, estuda arquitetura em Londres. "Agora dependo das notícias da minha filha pelo WhatsApp", lamenta.

Tião tem seis filhos: quatro ainda moram com a mãe e dois já formaram família. Tião vai visitá-los quase toda semana, mas o contrário nunca aconteceu. "Nenhum se interessou em conhecer o lugar onde vivo. Por que eles não vêm para pelo menos conhecer?", questiona.

TRABALHO

Tião começou a trabalhar aos seis anos. Ajudava o tio, dono de uma fábrica de queijo na pequena Pesqueira (PE), sua cidade natal. Sozinho, levava dois jumentos da fábrica até uma fazenda, a poucos quilômetros dali, para buscar leite. "O jumento caía, não queria carregar o peso e deitava com a carga. Eu ficava em pé até passar um adulto na estrada para fazer o jumento levantar", lembra.

Aos 14 anos, Tião perdeu o pai e teve que abandonar a escola para tomar conta da vendinha da família. Veio para São Paulo aos 20, na década de 1970, para "se aventurar".

Também jovem, aos 13, Afif começou a trabalhar. Ele conta que levou um susto quando o pai o acordou com pontapés na cama onde dormia. Ele estava de férias das aulas do tradicional colégio São Luís. "Filho meu não tem férias. Bota o terno e vai trabalhar", ordenou.

Começou emitindo bilhetes de seguro de trânsito DPVAT na Indiana Seguros, corretora fundada por seu avô em 1943. Tomou gosto pelo negócio e se formou em administração de empresas na PUC-SP. "Mas não pense que foi só facilidade", diz.

FAMÍLIA

Descendente de sírio-libaneses e italianos, a família de Afif é conhecida no mundo dos negócios. Luciano foi vice-presidente da Associação Comercial de São Paulo entre 2008 e 2012, e seu irmão Guilherme é o atual ministro da Micro e Pequena Empresa.

Já Tião sabe pouco da história da família. Sobre suas origens, lembra-se apenas dos avós. Sua avó era indígena e foi capturada pelos empregados de uma fazenda próxima. Contra sua vontade, a índia engravidou de um coronel, dono da fazenda, e deu à luz o pai de Tião, que não se beneficiou da riqueza paterna.

RENDA E HOBBIES

Luciano prefere não revelar sua renda. Atualmente, vive sozinho em uma casa com piscina na zona sul de São Paulo. Em seu tempo livre, gosta de fumar charutos cubanos e viajar à sua casa de praia, no litoral norte do Estado.

Sem emprego, Tião vive com R$ 80 mensais provenientes do Renda Cidadã, programa de transferência de renda do governo estadual. Logo após completar 65 anos, no dia 5 de maio, entrou com pedido de aposentadoria.

Hoje, Tião não trabalha e não faz muita coisa em seu tempo livre. Segundo ele, devido à falta de dinheiro. "Fico só pensando em namorar", diz. E dá risada: "Tem uma velha aí que vive no meu pé, mas eu vou inventar de namorar duro?"

DORES

Tião se separou da mulher "de corpo", como ele mesmo explica, em 1991, devido às brigas que aconteciam com frequência dentro de casa. Certo dia, desligou a TV e avisou aos filhos que estava deixando a mãe deles.

Em 2007, Luciano perdeu a esposa, que lutava havia seis anos contra um câncer de mama. Viúvo, enfrentou uma forte depressão. Até hoje, diz continuar casado com a mesma pessoa.

Em 2001, mesmo ano em que diagnosticaram o câncer de sua mulher, os médicos descobriram que o filho sofria de uma leucemia. "Eu me ajoelhei, pedi a Deus para me trocar por ele. Que me levasse e deixasse meu filho. E graças a Deus ele viveu."

SAÚDE

Luciano é cuidadoso com a própria saúde. Faz, uma vez por ano, um check-up e procura se manter ativo, praticando pilates e frequentando a academia. "Quero segurar meus netos no colo", afirma.

Usuário do SUS, Tião não vai ao médico, a não ser quando se sente mal. Não tem paciência para pegar fila. "Nem vou passar raiva, nem vou tirar lugar do outro", conta.

Há algum tempo, ele sofre de osteofitose, conhecida como bico-de-papagaio. Os principais sintomas são fortes dores nas costas, que podem se irradiar para as pernas, além de limitação dos movimentos e perda dos reflexos. Por causa da doença, o trabalho de Tião, de descarregar o caminhão da padaria, tornou-se insuportável. Foi seu último emprego fixo, que largou há mais de três anos.

FELICIDADE

O empresário afirma que é feliz e que não acha que o dinheiro foi essencial para isso. "A realização vem antes do dinheiro. Eu aprendo muito com as pessoas que não têm nada. Elas estão sempre rindo, sempre de paz com a vida, muito mais do que eu."

Apesar das dificuldades, Tião mantém o bom humor. Diz que dá risadas sempre, mas certos dias tem bronca de tudo. "Não tenho motivo para viver alegre, mas também não vivo triste. Vivo mais ou menos, vivo meio a meio."