Sem distinção

Desemprego no futebol não poupa jovens, veteranos nem famosos

O jogador Vitor Flora Pierre Duarte/Folhapres
Vitor Flora posa para a foto; jogador já vestiu a camisa do Liverpool e agora está sem clube

LUIZ COSENZO
RAFAEL VALENTE
DE SÃO PAULO

1º de setembro de 2008. Aos 18 anos, o meia-atacante Vitor Flora, revelado no Botafogo-SP, é anunciado pelo Liverpool, gigante inglês e cinco vezes campeão da Liga dos Campeões, com o aval do técnico Rafael Benítez, hoje no Real Madrid.

1º de setembro de 2015. Sete anos após chegar à liga mais rica do planeta, o brasileiro virou um "cigano da bola", jargão do futebol para jogadores que passam por vários clubes. Pior: está sem clube desde maio.

"Quando você está em um time pequeno, você tem que ser um Pelé para conseguir um outro clube no segundo semestre. Os clubes do interior precisam de um calendário maior e de mais ajuda financeira", disse Flora, que disputou a Série A2 do Paulista no Monte Azul.

O que parecia realidade há 7 anos – disputar as ligas mais importantes do mundo– virou sonho. Flora não chegou a atuar no time principal do Liverpool. Reserva, retornou ao Brasil em 2010 após ser procurado pelo empresário Wagner Ribeiro, agente de Neymar.

Ribeiro indicou Flora para o Goiás, mas ele teve poucas oportunidades no time.

"Retornei ao Brasil com o objetivo de ser reconhecido, já que sai muito novo do país. Logo após deixar o Goiás, comecei a procurar clubes, mas sempre esbarrei no fato de não ser conhecido", disse Flora, que passou pelo Botafogo, Rio Branco, Francana.

"O futebol precisa de pessoas que pensam no esporte como um todo. É difícil arranjar clube por causa da amizade, da influência que existe no futebol. O correto é olhar para as quatro linhas e analisar o potencial do jogador", completou.

No ano passado, Flora se aventurou na Letônia, no leste europeu, onde defendeu o Daugava.

"Prometeram muita coisa, mas não cumpriram. O futebol lá vive uma situação precária. A estrutura é muito pior do que muitos clubes do interior paulista".

A procura de um clube para o próximo ano, ele mantém a forma com um personal trainer, mas já pensa em um plano B para a vida profissional.

"Minha ideia é continuar jogando, buscando um time, mas já penso em estudar e fazer direito para ter uma profissão. Conseguindo clube ou não quero fazer faculdade".

Divulgação
O atacante Gil com a camisa do Juventus
O atacante Gil com a camisa do Juventus; jogador foi revelado nas categorias de base do Corinthians

FAMA E FOME

Apos ficar quase cinco anos sem jogar, o atacante Gil, revelado nas categorias de base do Corinthians, conseguiu voltar no início deste ano. Com o Juventus, disputou a terceira divisão do Paulista. O clube conseguiu acesso para a Série A2 em 2016.

Mas, apesar de ser o protagonista do acesso, Gil está sem clube desde o término da competição. Aos 35 anos, ele não quer parar a carreira agora.

"Tinha plenamente condições de disputar uma Série B ou a Série C, mas não recebi proposta alguma. No futebol, você tem que estar provando todos os dias dentro das quatro linhas. Treino todos os dias e, se surgir uma proposta, tenho condições de jogar", disse o atacante.

"Ainda tenho esperança que vou jogar no ano que vem. Tenho uma negociação com o Juventus para o próximo ano e vamos ver o que vai acontecer. Enquanto eu tiver cabeça de jogador e condições, vou continuar jogando. Sei que posso fazer e posso fazer a diferença", acrescentou.

O atacante afirmou que a influência de empresários conta muito no momento de fechar contrato com as equipes.

"Na minha carreira, só usei o meu talento. Não tive ninguém para me ajudar nem costas quentes. Passei em alguns clubes que não consigo entender porque eu não jogava e outros jogavam", disse Gil.

Ele já vestiu as camisas de Cruzeiro, Internacional, Botafogo e Flamengo, além de dois times do exterior: Verdy Tokyo (Japão) e Gimnàstic de Tarragona (Espanha).

Rubens Cavallari - 26.mar.2014/Folhapress
Roberto em ação pela Ponte Preta, no Paulista-2014
Roberto em ação pela Ponte Preta, no Paulista-2014; jogador está sem clube desde abril, quando teve contrato encerrado

PAGAR PARA JOGAR

O desemprego no futebol paulista não atinge apenas jogadores das divisões inferiores. Vice-campeão da Copa Sul-Americana em 2013 pela Ponte Preta, o goleiro Roberto, 36, está sem clube desde abril, quando terminou o Campeonato Paulista para o XV de Piracicaba. O seu contrato foi encerrado.

"O desemprego é fruto da má organização do futebol brasileiro. Os clubes e investidores não fazem contrato de um ano porque não sabem o que vão jogar no segundo semestre. Se você não se classifica para a Série D do Brasileiro, fica sem calendário", afirmou.

Roberto, que disse ter negociado com o Palmeiras no final do ano passado, está com a família em Criciúma, onde treina diariamente na companhia de um amigo.

"Tive propostas de algumas equipes, mas não houve acerto. Recebi uma proposta, mas no final teria que pagar para jogar", afirmou o goleiro, que já acertou para jogar pelo Água Santa na próxima temporada.

"Optei por dar um tempo e me preparar para o próximo ano. Tem amigo meu que resolveu continuar jogando porque precisa e hoje está sem receber. Prefiro ficar em casa treinando do que ir para um clube e passar raiva, ficar sem receber", afirma.

Membro do Bom Senso FC, Roberto critica o comportamento dos companheiros de profissão.

"O jogador precisa se inteirar, se interessar mais. Muitos atletas só são profissionais na hora de receber. Tratam o futebol como lazer. Eles têm tempo para tudo, mas não para a profissão. Falam que [o Bom Senso] é um movimento elitista, mas as pessoas que precisam não procuram a gente".