Da elite à várzea

Várzea vira refúgio para desemprego e chega a oferecer até salário melhor

Magrão, camisa 9 Avener Prado/Folhapress
Magrão (centro) abraça companheiros durante disputa de pênaltis da Copa Anhaguera, torneio de várzea

LUIZ COSENZO
RAFAEL VALENTE
DE SÃO PAULO

Uma taça dourada e um cheque no valor de R$ 20 mil, este para ser dividido com os colegas de time, simbolizam o momento de maior alegria neste ano para Anderson Portela de Araújo, 27, conhecido no futebol como Magrão.

Jogador profissional, o atacante está sem clube há seis meses e buscou refúgio no futebol de várzea, onde sagrou-se campeão de um torneio no último dia 27, em São Paulo, pelo Pão Caseiro, time do bairro do Ipiranga.

No início do ano, estava no São Bernardo e jogou a primeira divisão do Campeonato Paulista. Recebia pouco mais de R$ 5.000 mensais, mas o time foi eliminado na primeira fase. Em maio, Magrão ficou desempregado.

Pensou que a visibilidade no Paulista abriria portas, mas as ofertas que recebeu para continuar foram de clubes menores, de divisões inferiores e com salário aquém do que necessitava. Assim, decidiu buscar seu sustento na várzea.

Magrão recebe cachê de até R$ 700 por fim de semana. Além do Pão Caseiro, ele defende outras duas equipes de várzea, o São Carlos, do Jardim São Carlos, próximo a Guaianases, e o Favela, que fica em Heliópolis.

"Na várzea, você pode jogar por diferentes equipes e acertar o valor que vai receber diretamente com o dono do time. Cada um negocia o próprio valor. Para mim, compensou muito mais. Recebi proposta para ganhar R$ 1.000 por mês do Barueri, mas iria pagar para jogar. Só para colocar combustível no carro para ir treinar já não compensava", afirma Magrão.

"Na várzea, ganhei até um bônus do dono do time com título, mas o valor guardo em segredo", disse, aos risos.

Magrão tem um filho de quatro anos e mora com os pais em Heliópolis, na zona sul de São Paulo. Utiliza o tempo livre para treinar. Faz academia duas vezes por semana e usa o campo da Portuguesa da Vila Mariana para treinar. Não tem empresário. "Nem dinheiro para bancar um", diz.

"Ainda quero jogar profissionalmente. A várzea é uma forma de não ficar parado. Quando surgir um convite estarei pronto fisicamente e com ritmo de jogo", afirma.

"NÃO PAGA A CONTA"

Realidade parecida com a de Magrão tem o ribeirão-pretano Mateus Garcia Borges, 32. Ele defendeu o Comercial na última edição da Série A2 do Paulista, mas após o rebaixamento ficou sem clube e migrou para a várzea.

"Recebi uma proposta de um clube para jogar a Copa Paulista, mas não era interessante. O clube me ofereceu um salário baixo. Fiz uma contraproposta, mas eles acertaram com outro atleta que aceitou receber menos. Eles pagam uma merreca, que não dá nem para pagar as contas", disse o meia-atacante.

Hoje, Mateus atua pelo Paulista, time tradicional de várzea em Ribeiro Preto. Joga somente aos fins de semana –não informou quanto recebe. Durante a semana costuma treinar.

"Na várzea, você combina o valor que quer com o dono do time e eles pagam certinho. Pelo menos, consigo ficar mais tempo em casa, mantenho a minha forma e não tenho outro gastos", disse Mateus.

Casado e pai de três filhos, Mateus ainda tem a esperança de voltar ao futebol profissional. Não pensa em se aposentador, apesar de ter 32 anos. Pelo contrário, espera fechar acordo com alguma equipe para disputar o Paulista-2016.